O Cheiro Vermelho
De Nuno Amaral Jorge
Luz. Finalmente. Mas as arestas… Parecem estar a mexer. Deve ser impressão minha. Cansaço. Prossigamos. O chão está escorregadio. Está tudo molhado e oleoso. E este cheiro metálico. É bom e agoniante e já dura há demasiado tempo.
Mais perto. Mais luz. Percebo qualquer coisa dentro da luz. Uma superfície brilhante? Parece. Limpa, esterilizada. Nada como isto.
Agarrei a aresta. Ela molda-se à minha mão. É tecido esponjoso, muito húmido, mas ainda assim firme. O cheiro torna-se mais forte, e a luz, ainda mais próxima, fere-me os olhos.
Começo a sair. Alguém grita. A luz junta o vermelho escuro e profundo ao aroma opressivo. A enorme ferida deixa-me sair. Finalmente. Há uma outra luz, e tudo está suspenso, como se a realidade se tivesse interrompido pelo capricho de um poder inconcebível.
Não choro. Nem nasci. E o odor vermelho domina o mundo.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE O AUTOR
Nuno Amaral Jorge
Nuno Amaral Jorge nasceu em Lisboa, no ano de 1974. É jurista, fotógrafo amador e escritor freelance. É guionista de BD, publicou contos em várias antologias, dois romances e dois livros infantojuvenis. Destaca títulos como os romances As Três Mortes de Um Homem Banal e A Passagem, bem como o conto «Coelho Branco», publicado na antologia IN/SANIDADE, e com o qual ganhou Grande Prémio Adamastor de Ficção Fantástica em Conto – 2024.
Stephen King, Julian Barnes, Rosa Montero, Neil Gaiman e Alan Moore são algumas das suas referências.
Vive em Carnaxide com a sua companheira, os seus três gatos, e é um feroz defensor do maximalismo da liberdade de expressão, artística ou de qualquer outra tipologia.