A Boneca Atómica
de Santiago Pérez Isasi
Um mito urbano de criação recente diz que há no mundo uma boneca com coração radioativo. Uma boneca suave, de cara doce e olhos flutuantes. Quando é oferecida a uma criança, esta adoece lentamente, enfraquece, morre. Os médicos não compreendem, a criança agoniza, e os pais, que também não compreendem nem se sentem muito bem, só acertam a embalar o filho, que adormece abraçado à sua boneca. O mito diz que, quando a criança acaba por morrer, a boneca desaparece sem deixar rasto e sem que ninguém dê pela sua falta, procurando acomodação num outro berço, numa outra casa, numa outra cidade, país, continente, sem sistema e sem limite. Como não há registo da sua existência, e como a mortes ficam para sempre sem explicação, é impossível saber quantas crianças matou a boneca atómica. É possível até que exista mais do que uma boneca deste tipo, mas também que a boneca nem sequer exista, e que este mito urbano não seja senão uma encarnação do medo dos pais a ver morrer os seus filhos. Há ainda, no entanto, uma última possibilidade: que a boneca de coração radioativo tenha apenas passado a existir quando comecei a escrever este conto, ou quando começaste a lê-lo, e que só a partir desse momento tenham começado a morrer crianças.
*Conto originalmente publicado (em espanhol) no volume Imposibles Impensables (Nazarí, 2016). A tradução para português é da autoria do autor.
SOBRE O AUTOR
Santiago Pérez Isasi
Santi Pérez Isasi é professor auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É autor dos volumes de contos Ilustre Ruritania Ilustrada (Ediciones Bárbaras, 2015) e Imposibles Impensables (Nazarí, 2016). Traduziu para a editora La Umbría y la Solana os romances O Caminho Imperfeito, de José Luís Peixoto, e Adoecer e Lillias Fraser, de Hélia Correia. É também um consumidor constante de terror, seja em formato literário ou audiovisual.