A Dança

de Patrícia Sá

Todos sabiam o que acontecia a quem passasse pelo cemitério depois do pôr-do-sol. Não era nada de aterrador, na verdade — pelo menos para quem não fosse vivo e prescindia de crenças tão curiosas como a morte tratar-se de um sono eterno, ou os mortos deverem ficar sossegados, pelo menos enquanto os vivos estivessem por perto.

Em defesa dos residentes do cemitério, eles esperavam sempre que o último vivo abandonasse o recinto antes de começarem a sua dança. Mas se algum por lá decidia ficar, por que haveriam eles de voltar às suas posições diurnas? A eternidade era tremendamente aborrecida para se ficar parado a toda a hora.

Além disso, se um vivo ficava a observar a dança, seria certamente porque se queria juntar. E porque não? Os residentes do cemitério, apesar de inicialmente reticentes quanto a esta questão da «morte», depressa se aperceberam das vantagens da sua nova condição — adeus às preocupações tão estúpidas da vida! Perante essa completa leveza, quem não quereria dançar para todo o sempre?

Era por isso que ninguém se aproximava do cemitério depois de certas horas. Não por falta de consideração ou hospitalidade dos cadáveres. Muito pelo contrário.

SOBRE A AUTORA

Patrícia Sá

Patrícia Sá nasceu em 1999. Desde muito cedo que encontrou um refúgio na escrita e estreou-se como autora em 2021, com o conto «Amor», na antologia Sangue Novo. Interessa-se especialmente pelo estudo da monstruosidade na literatura, nas artes e na cultura. Está determinada a provar que o terror é um género sólido. A arma dela? Resmas de livros teóricos sobre o assunto. Sublinhados. E com post-its.