A Erva Vermelha

de Nuno Amaral Jorge

 

A erva vermelha crescia de forma lenta, mas nunca morria. Quando o sol a iluminava, e o vento a fazia dançar, os montes pareciam pintados com sangue escorrente, como se a rocha se tivesse cortado.

Em certas noites do ano, quando a Lua se tingia (também ela) de vermelho, os sons eram audíveis. Sons de coisas húmidas e orgânicas a despedaçar-se, junto a um outro que mais parecia o rugido de uma nuvem negra.

Os dentes das falhas na rocha, afiados, que tudo esfacelavam, soltavam o cheiro de todas as coisas internas à pele. E depois o silêncio.

Nos dias seguintes, a erva vermelha tinha-se sempre multiplicado. A terra, saciada, não a deixava morrer, ou perder o seu vestido de sangue.

Ninguém voltava a ver a erva vermelha de perto.

Nunca.

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

 

SOBRE O AUTOR

Nuno Amaral Jorge

Nuno Amaral Jorge nasceu em 1974. É jurista, fotógrafo amador e escritor freelance, além de bibliófilo. É guionista no projeto de banda desenhada portuguesa Apocryphus, desde a sua primeira edição, em 2016. Em 2018, publicou um livro de contos infanto-juvenis chamado A Joaninha ao Contrário e Outras Histórias, e em breve será publicado um segundo volume de contos, ambos pela editora Ideias com História. Em 2019, publicou um romance chamado As Três Mortes de um Homem Banal,  pela Editora Planeta e, em 2020, participou na antologia de contos na edição comemorativa dos 30 anos da APAV, À Roda de uma Vontade. Em 2022, publicou um conto na antologia Os Medos da Cidade, da Editorial Divergência e pretende acabar um romance que se encontra «a meio», bem como um conjunto de contos de terror e fantástico. Stephen King é a sua referência.