A Estação

De Lewis Medeiros Custódio

 

Segunda-feira, 6 de Dezembro. Exactamente 7 da tarde. O comboio está ligeiramente atrasado, como sempre. 

Todos os que aqui se encontram estão sozinhos. O Inverno faz das 7 horas uma hora taciturna. O frio e a névoa parecem quase fantasmagóricos — mas não tão fantasmagóricos como o silêncio de todos. A solidão entre a pequena multidão grita sem voz. 

Esta estação, como muitas outras estações por esse Portugal fora, já foi um lugar de encontros, de amor compartilhado entre jovens que pouco sabiam da vida, de sorrisos e abraços. As pessoas cresceram. Envelheceram. Já não há jovens. Ninguém me vê. Tal como o Fontismo, tudo foi sendo esquecido, ainda que a estação perdure. Essa durará para sempre. 

O antigo e enorme relógio azul na parede da estação indica que passam agora cinco minutos das 7. Alguém fuma ao meu lado, como eu em tempos fumei. Já mal me lembro do sabor. Os bancos desocupados não me convidam. Sentar parece-me mais extenuante do que permanecer em pé nesta tão familiar estação onde tudo é velho. Dos carris enferrujados, como o metal que se esperaria ver numa masmorra, às luzes extremamente alaranjadas como antigas velas, tudo é igual ao que era há vinte e cinco anos, mas desprovido dos sonhos e esperança de então.

Mesmo à minha frente, um largo resquício de uma mancha estende-se até aos carris — uma mancha antiga, mas indelével, sangue derramado que nunca se apagará. Acontecia muito por aqui morrer alguém nas linhas. Mês sim, mês não, era notícia no jornal local, mas nunca novidade. Do outro lado das linhas, árvores crescem infinitamente. Quem olhar para elas no escuro talvez lá veja anjos caídos e amaldiçoados, esses guardas infernais que vagueiam pelo mundo para perdição das almas.

O frio fica mais frio a cada segundo, até finalmente o barulho do comboio se fazer ouvir. Há muito tempo — embora pareça que foi ontem —, ela veio na segunda carruagem, com aquele sorriso que só ela tinha, com os seus olhos azuis como o amor (ou a morte) a sorrirem ainda mais. Mas o azul empalideceu. Os sorrisos tornaram-se luxo.  

Eis que chega o comboio. Inspiro profundamente e atiro-me para os carris, tal como tenho feito ano após ano desde que os olhos dela empalideceram. Condenado a ter de morrer todos os anos nos mesmos carris, deixo de mim apenas o resquício daquela antiga mancha de sangue. Outra e outra e outra vez.

Acabo, por agora. 

Porque, tal como o meu tormento, a estação durará para sempre.

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945


 

SOBRE O AUTOR

Lewis Medeiros Custódio

Nascido na paradisíaca ilha de São Miguel, nos Açores, foi aluno do Conservatório de Ponta Delgada, onde aprendeu piano. É licenciado em Línguas Modernas e mestre em Ensino pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, além de ser judoca, guitarrista e fotógrafo. Desde cedo, desenvolveu uma paixão pelo terror e pelo macabro, mergulhando nas obras de Edgar Allan Poe, H. P. Lovecraft e Stephen King. A emoção visceral desse universo tornou-se uma obsessão que contagiou todos os meios que consome — da literatura ao cinema, da música aos jogos.

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