A Estátua
de Ondina Gaspar
Empederniu no dia em que se calcificou no próprio tártaro, acumulado nos dentes durante cem anos.
Ainda recordava a sua forma humana. Com vinte anos, já era velho. Sentia-se preso no próprio corpo, pesado, agrilhoado. Os calcários esponjosos nas gengivas carcomidas pelo tempo impediam-no de esboçar um sorriso naquele rosto tumefacto. Se o tentava, aqueles que o rodeavam fugiam a sete pés perante o hálito horrendo e o seu aspeto monstruoso.
Ao longo dos anos, aos poucos, o tártaro foi-se alastrando a todos os órgãos e partes do corpo. Ficara prisioneiro daquela matéria aglomerada nos dentes, que depois se espalhara por todo o seu ser.
Agora, depois de um século prisioneiro, sentia-se livre. Era uma estátua. Finalmente apreciado por todos.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Ondina Gaspar
Ondina Gaspar nasceu a 2 de novembro de 1960, na Figueira da Foz, onde vive atualmente.
Desde pequena que sonhava ser escritora. Sempre teve gosto pela leitura e escrita.
Começou a escrever um blog de reflexões e poesia aos 50 anos, como terapia.
Editou um livro intitulado Castelos de Areia, baseado no blog.
Frequentou vários cursos de escrita criativa e colaborou em várias coletâneas com contos e poesias. Neste momento, é membro do Clube dos Writers, cuja mentora é Analita Alves dos Santos.