A Ferro e Fogo

de Álvaro Oliveira

Luz.

Uma singular lâmpada pendia precariamente do teto degradado.

O homem agitou-se, revolvendo as algemas e semicerrando os olhos, desconfortável.

Gotas de sangue pingavam, ecoando pela cave escura.

A iluminação fraca da lâmpada não permitia que o homem preso à parede descortinasse a sua origem. A dor que sentia nas pernas e coxas, no entanto, era elucidativa o suficiente.

Tentou mexer-se. Uma pontada de dor subiu-lhe pelas pernas, descobrindo-as também algemadas, presas à parede.

Arquejou, acordando plenamente do seu estado entorpecido, embora a dor que lhe pulsava pelo corpo ameaçasse devolvê-lo à inconsciência.

Analisou o espaço em redor, procurando uma saída, algo que o libertasse daquele lugar. Notou um estranho cheiro a carne queimada, bem como passos acima de si. Algo pesado se movimentava num soalho de madeira.

Abanou as algemas novamente. Nenhuma deu sinal de se soltar. Além disso,  o tilintar das correntes que o prendiam, audível por toda a cave, foi procedido pelo interromper dos passos no andar superior.

O homem imobilizou-se, escutando, aguardando. Os passos recomeçaram, desta vez mais perto.

Tentou novamente fazer ceder as algemas, agitando-se e ignorando a dor intensa que radiava dos membros inferiores, até que o som de uma porta a abrir ecoou pela cave.

O homem debateu-se com mais vigor ainda, ignorando os passos que ressoavam pelas escadas, a metros de si. Só parou de se esforçar quando viu a figura que o observava.

Era humanoide, ou pelo menos parecia-se com algo humano. A iluminação pobre não ajudava o cativo a ter certezas. Só quando o vulto se aproximou é que o pôde ver, e libertar um gemido de terror.

A luz revelou um ser metaliforme, com um emaranhado de cabos a percorrerem-lhe o corpo. Não tinha olhos, boca ou semelhantes anatomias humanas. Apenas uma massa metálica onde a luminosidade se refletia, num formato vagamente humano.

O homem soltou um grito.

A estranha figura não pareceu afetada, continuando a caminhar lentamente até ele.

O cativo debateu-se desesperadamente antes de a figura o alcançar, mas sem sucesso.

Numa questão de momentos, a criatura estava a escassos centímetros. Não conseguia olhar, mas fixava-o na mesma, com um misto de frieza e curiosidade. E determinação.

Desesperado, observou-a a levantar um dos membros. Uma espécie de serra metamorfoseou-se na sua mão através dos emaranhados metálicos, soltando cliques e estalidos. No outro membro, reparou o homem, encontrava-se uma espécie de caneta. Um cilindro pequeno, com uma ponta eletrificada, que não soube reconhecer como um cauterizador.

O cativo olhou em choque ao ver aproximar ambos os instrumentos. Nada o chocou mais, porém, do que reparar nos membros inferiores da figura. Não eram metálicos, percebeu, mas sim humanos, com pele e dedos bem formados, ainda que algo sangrentos, como uma segunda pele por cima da superfície de metal.

Só aí o homem se apercebeu das intenções da criatura. Só aí reparou nas suas próprias pernas, iluminadas pelo reflexo metálico, queimadas e em carne viva. Só aí compreendeu. No entanto, não lhe valeu de nada.

 

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