A Luta de um Escritor

de Cláudia Passarinho

 

Na secretária, havia uma tesoura a reflectir o ecrã do computador. Alguns e-mails por ler enegreciam a tela. Faltavam quatro.

Vou ler mais um, pensava pálido, a espremer o lenço na expectativa de que caíssem gotas de coragem. 

«Lamentamos, mas…»

Faltavam três.

«Pouca profundidade nos temas…»

O joelho tremia-lhe. E o texto estendia-se pulsando à frente do escritor. Agora era a mão esquerda que pegava no cotovelo direito.

Faltavam dois.

«Não é o escritor que procuramos…»

Levantou-se. Abriu a janela e mirou o jovem que varria a rua. Deveria ter sido varredor; parecia tão simples.

Faltava um.

Com os dedos arqueados, a luta continuava dentro das pantufas. O fogo consumia-lhe a visão. Abriu o último e-mail, e as letras turvas disseram tudo.

«Escreve bem. Porém, não pretendemos manter qualquer relação com o seu nome.»

Cerrou os dentes. Pegou na tesoura. 

Escreveria poesia com a mão esquerda.

 

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945


SOBRE A AUTORA

Cláudia Passarinho

Cláudia Passarinho nasce no ano de 1980, em Lisboa. É a quarta geração a residir numa vila lisboeta por onde tantos escritores já passaram. Licenciou-se em Desenvolvimento Comunitário e Saúde Mental pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada em 2004, tendo posteriormente completado uma pós-graduação em Gestão de Recursos Humanos. É casada e mãe de dois filhos. Da sua família, sacia o amor, a união e a força para os seus projetos.

É nas páginas dos livros que encontra refúgio e será através das suas palavras que procurará deixar um legado. Conta com a participação em várias coletâneas e revistas digitais, enquanto contista. É cofundadora do podcast «Livros a três» e desenvolve um papel ativo em projetos de formação de Escrita Criativa e na divulgação da importância da leitura.