A Luz

De Diogo Lopes

 

A luz pisca indeterminadamente. No seu próprio aniversário. Levanto-me da cama e lembro-me da existência das minhas pernas, quão frágeis são. Falhadas. Mais nenhum adjetivo as define tão holisticamente.

Pobre sejas tu, minha rica memória. Porque será que aquela lâmpada desvanece e aparece como um inverno gélido? Apenas sei que um dia será de vez. Como tudo.

Horas e horas passam. O meu estômago permanece numa constante indecisão: «hei de querer ser alimentado ou hei de expelir qualquer contacto?». Uns órgãos sentem-se eternamente satisfeitos; outros pintam a imagem de gula.

Um dia, aquela luz vai extinguir-se de vez. Nesse dia, vou encontrar três caminhos, um que me trará crédito de guerreiro, outro que me trará um céu opressivo nublado, e outro que me levará a uma cegueira tão profunda que nenhuma estrela a iluminará.

Ai, estas pernas traiçoeiras. Como elas se mexem quando planeiam algo malicioso com a minha pequena consciência. Cada passo dá corda a verdades enterradas, como um relógio intocável. Brilhos rápidos, infantis, a luz pisca; uma tragédia sombria, a luz pisca; um pedido que cospe na indecência de hienas. Que imagens serão estas que me atordoam o senso de ser? O coração tenta fugir desta profunda mágoa, mas o peito não o permite. A mente tanto diz que é forte como diz que não é capaz.

Estou farto de andar em rochas descalço. Algo em mim não me permite lembrar a causa desta angústia. É hoje que vou olhar nos olhos da verdade e lutar contra esta cela. Diz-me tu, minha pequena consciência, porque será esta vingança fria? Porque será uma lâmpada indigente fruto de tanto conflito interno? Mostra-me a verdade, sua lástima!

Um riso agudo soa ao meu ouvido. Um riso familiar. Um conforto colorido que me aquece a alma. Que fiz eu, consciência? O pó levanta-se de um quarto escuro insignificante. O chiar de um escadote antigo percorre-me. Pequenos passos levam à origem do meu castigo. Uma mão suave e minúscula com um bolbo de vidro. Do nada, faz-se luz. Este quarto antigo torna-se angélico. Um olhar é trocado entre duas almas. O escadote chia e chia e chia. Um parafuso solta-se, empurrado pelo destino. A pequena alma cai, em seguida, do escadote, e desaparece.  E as minhas pernas, irrequietas, ainda impotentes.

A lâmpada desvanece, meu rico filho.

 

SOBRE O AUTOR

Diogo Lopes

Nascido no fim do milénio passado, Diogo Lopes, através de filmes e especialmente televisão, teve sempre na sua presença uma influência narrativa mais visual. Por outro lado, também sempre manifestou um interesse enorme pela natureza e pela condição humana, que, ao longo do tempo, o levou a integrar-se em todas as facetas artísticas, desde a pintura ao teatro. Atualmente, segue um novo caminho vitalício, com o intuito de se exprimir através do cinema, e ocasionalmente entranha-se na escrita de pequenos momentos contemplativos.