A Queda

de Telma Cebola

 

Perco as forças, caio para trás, fecho os olhos e deixo-me ir, em queda livre…

 

Mas a queda não é tão livre assim. Pelo caminho, vou batendo em rocha e raízes. Uma pedra rasga-me o braço, fazendo-o sangrar. Um ramo perfura-me a pele da perna, deixando um osso à espreita. Mais sangue. Os obstáculos não me amparam a queda, só me magoam (mais). Oiço o bater seco das minhas costas contra a terra. Não tenho controlo sobre o meu corpo. Vou simplesmente embatendo em tudo o que aparece, como num jogo de pinball. As rochas e as raízes são os flippers e eu sou a bola. É isso. É um jogo, sempre foi. Eu é que não soube jogá-lo. Deixei-me ser atirada e, em vez de chegar à meta, voltei atrás e caí num buraco fundo.

Entretanto, a dor é tanta que deixo de sentir… Melhor assim. Na verdade, deixar de sentir foi o que sempre quis. Mas quando já me estava a habituar a este jogo, ao ponto de não sentir dor… vem a batida final! O corpo bate no chão. Mas não para. Continua, perfurando o solo até às profundezas (até ao Inferno?). Até parar de vez. Sim, agora, não há mais dor. Finalmente, acabou e posso descansar. O sono eterno. E tudo parece tão melhor…

 

«Mãeeeee, anda cá! Mãeeeeeeeeee…» Abro os olhos e levanto-me. Parece que ainda não foi desta. Olho para as minhas mãos e braços, sem vestígios de nódoas negras, feridas ou sangue. Dizem que a dor e as feridas emocionais não deixam marca. Talvez seja melhor assim. Ninguém vê; ninguém pergunta; ninguém sabe (na realidade, nem quer saber). É só mais um dia, no meio de tantos outros. Mais um dia até ao descanso eterno. «Mãeeeeeeeeeee!» Ligo o piloto automático, coloco a máscara sorridente e lá vou eu. É só mais um dia como os outros.

Só mais um dia.

 

SOBRE A AUTORA

Telma Cebola

Telma Cebola nasceu em Cascais no ano de 1985. O terror esteve sempre presente na sua vida, especialmente na vertente literária (tem toda a coleção Arrepios) e cinematográfica (passou a adolescência a ver filmes de terror de qualidade duvidosa). Escreve para libertar os seus demónios e vê na escrita uma espécie de terapia, em que a mente a obriga a passar para o papel os pensamentos menos sãos que tem. Talvez um dia esses pensamentos se transformem num livro.