A Última Ceia

de Pedro Lucas Martins

 

A ideia tinha sido de Tomé. Durante três dias, os onze tinham-se ali reunido, no túmulo frio, tão frio como os últimos restos do corpo mutilado que se estendia na laje de pedra. Não faltava muito, mas a noite ia ser longa.

— Irmãos, hoje é o último dia. — Tomé ocupou um lugar ao centro. — Juntai-vos para a consagração.

— Em nós, ele viverá — entoaram os restantes.

Tomé pegou numa lâmina e talhou onze pedaços de carne cinzenta, pedaços de músculo e tendão fibroso, onde as moscas já se banqueteavam.

Os outros dez homens em jejum ajoelharam-se, então, e abriram a boca em reverência, enquanto Tomé, solene, com as onze porções de carne na mão, se aproximava e proferia:

— O corpo de Cristo.

 

 

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE O AUTOR

Pedro Lucas Martins

Pedro Lucas Martins nasceu em 1983, em Lisboa. Desde aí, não se lembra de uma altura em que não gostasse de terror.

Com estes gostos, preocupou toda a gente à sua volta. Naturalmente, insistiu e venceu-os pelo cansaço.

Agora, entre outras coisas, escreve e edita ficção de terror, tendo sido esta reconhecida com o Prémio António de Macedo (2018) e com o Grande Prémio Adamastor da Literatura Fantástica Portuguesa (2020). Em março de 2022, cofundou a Fábrica do Terror, onde desempenha a função de editor literário.