Agónico

de Ondina Gaspar

 

A pele cai-me aos farrapos. As pálpebras colam-se e a boca fica amarrada ao que resta de uma dentadura gasta.

Sinto que este corpo já não me pertence.

Preso a este leito, vislumbro as sombras que vão e vêm apressadas, ouço as vozes abafadas que nada me dizem.

Apenas resta a consciência.

Espetam-me com o que parecem farpas acutilantes que me ferem os órgãos.

Aos poucos, deixo de sentir a dor e concentro-me, alheio ao soro que me corre pelas veias. Não sei para quê prolongar isto.

Anestesiado, constato que sou cadáver. Consigo ainda ouvir o afiar dos instrumentos, e as vozes, novamente:

— Uma espécie nova, que emocionante! Por onde é que começamos a autópsia?

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE A AUTORA

Ondina Gaspar

Ondina Gaspar nasceu a 2 de novembro de 1960, na Figueira da Foz, onde vive atualmente.
Desde pequena que sonhava ser escritora. Sempre teve gosto pela leitura e escrita.
Começou a escrever um blog de reflexões e poesia aos 50 anos, como terapia.
Editou um livro intitulado Castelos de Areia, baseado no blog.
Frequentou vários cursos de escrita criativa e colaborou em várias coletâneas com contos e poesias. Neste momento, é membro do Clube dos Writers, cuja mentora é Analita Alves dos Santos.