Apocalipse

de Vanessa Barroca dos Reis

 

 

Expira a última das abelhas.

O Sol escalda como nunca.

Extingue-se a Grande Barreira de Coral.

Desaparece a Amazónia.

Os pássaros não migram, exaustos.

As ossadas do último urso-polar desfazem-se no Ártico desnutrido.

(adeus às estações, às chuvas, aos ventos, às brisas, aos céus nocturnos estrelados.)

*

Então, éramos resilientes. Agora, somos ineficientes, cúmplices.

Assistimos à extinção de insectos, herbívoros, carnívoros.

Vimos secar o néctar e findarem os manjares.

Convertemo-nos em apicultores, floristas, agricultores, xamãs.

(tarde demais.)

Muito foi recriado em laboratório. Agarrámo-nos ao pseudo e ao alternativo.

Abraçámos a biodiversidade num estado anémico, em dispneia.

Submetemo-nos aos hidratos de carbono e ao racionamento de água.

(em vão.)

Os que sobreviveram às pragas antigas foram assolados por novas doenças.

Poeiras, décadas de poeiras…

Terramotos ávidos tragam o que resta. Maremotos furiosos infiltram o estéril.

(Seremos…) Fogo e gelo.

Marte não resultou. A Lua foi esperança vã.

Consumido, o planeta expira.

Fomos breves e gloriosos.

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE A AUTORA

Vanessa Barroca dos Reis

Nascida em Lisboa, cresceu na Amadora, imersa em livros, videojogos, música e cinema. Na adolescência, começou por escrever contos de terror, de mistério e poemas. Alistou-se aos 18 anos na Força Aérea, onde trabalhou uma década. É licenciada em Direito (UAL), e tem uma pós-graduação em Edição (UCP). Mantém os blogues Bué de Livros e Bué de Fitas — na blogosfera, assina como Barroca.
Integra várias antologias, entre as quais Sangue Novo (2021) e Sangue (2022), ambas vencedoras do Grande Prémio Adamastor de Literatura Fantástica Portuguesa. Vive na região da Alsácia desde 2015, onde trabalha na área dos Direitos Humanos.

Fábrica do Terror