Aquela Máquina

de Sandra Martins

 

Durante anos, o Silva sempre foi o primeiro a chegar e o último a sair. Nunca fazia uma pausa para o almoço. Não tinha hobbies, não tinha vícios, não tinha amigos. Não tinha assunto de conversa.

Não cometia erros nem tinha atrasos. Não lhe escapava nada. Era excelente a identificar padrões e a realizar atividades repetitivas.

No seu pequeno mundo, dominava em silêncio, tomado por uma espécie de encantamento. Ninguém dava por ele.

Ninguém reparou, por isso, nas pinças que começaram a brotar do interior das suas mãos, rasgando a carne e a pele de dentro para fora, amputando os dedos para os substituir.

Ninguém se apercebeu de que andava pálido e torturado de dores pela substância que nascia dentro de si, substituindo o sangue, trazendo-lhe à boca um sabor a óleo, que o fazia vomitar bílis e o fígado em pequenos pedaços.

Também ninguém notou quando todo o seu corpo se cobriu de metal, imobilizando-o por longos períodos de tempo, condenando-o a uma prisão perpétua sem que tivesse cometido algum crime.

O nada em que a sua vida se tinha transformado era agora dominado por um incessante chiar de rolamentos e vazamento de impurezas, aos quais ninguém parecia ligar.

SOBRE A AUTORA

Sandra Martins

Sandra Martins nasceu e vive em Lisboa. Estudou Gestão e Estatística. Escrevia ocasionalmente com o objetivo de informar.

A pandemia e o confinamento tornaram a ocasião cada vez mais frequente e, depois de alguns cursos na Escrever Escrever, começou a fase de exploração, para criar algo mais interessante.
O desconforto e as incertezas que marcaram os últimos anos trouxeram a público algumas experiências pouco racionalizadas e potencializaram a escrita de terror.