Ausências e Vazios

de Sandra Amado

 

Deito-me na cama vazia, fria e escura.

Nos lençóis leves, agora pesados. 

Creio que te guardam, de alguma forma, por isso nunca os lavei.

Lençóis vazios que cheiram a bafio.

Não faz mal, estou mais perto de ti.

Tateio cada centímetro de lençol.

Vejo traços do teu cabelo grosso, escuro e macio.

Almejo a textura da tua pele, sem nunca a alcançar.

Passo a mão em traços de batom vermelho, 

arte abstrata de um tempo antigo.

Fazem-me corar, quando penso no teu sorriso.

Mas, ao olhar para aquela mancha de tinta negra no lençol,

as minhas entranhas agitam-se.

Disseste que estavas numa fase mudança.

Foi por isso que fizeste a tatuagem de uma aranha, quando te pedi em casamento no México.

Lembras-te daquele dia que em estivemos em Chichén Itzá?

No mesmo dia em que assistimos ao ritual do xamã?

Quando erguias a pedra da fertilidade,

enquanto um homem alto e convicto erguia a pedra da proteção,

e uma outra mulher, talvez com problemas denunciados pelo sorriso nervoso, erguia a pedra da saúde?

E eu, que rezava pela esperança de um filho enquanto erguias a pedra, 

desobedeci ao pedido do xamã e filmei o ritual às escondidas.

Depois disso, fomos ver o templo. 

Um calor intenso erguia-se ao longe nas pirâmides.

Batemos as palmas juntos num céu cinzento e carregado, 

e chamámos o deus do ar — Quetzal.

Ao som do deus-pássaro, o céu ribombou numa chuva intensa, como um aviso.

Ignorámo-lo e fomos para o autocarro, molhados, sem outra roupa que vestir.

No dia seguinte, ficaste doente.

Ainda assim, quiseste fazer a tatuagem no Mercado 19.

Parece que ainda estou a ver a mulher de turbante e com os dedos tatuados, 

a percorrer com a agulha as formas das tuas costas bem desenhadas.

Esboçaste alguns sinais de dor,

mas depois riste.

Quando a mulher terminou, deu-nos um espelho. 

Sorrimos no reflexo ao descobrir a delicadeza da aranha.

Dormiste mal durante a noite. Tiveste febre. Incomodou-te um prurido nas costas e uma dor fina na omoplata. Tremeste na cama e transpiraste até molhares os lençóis.

Cuidei de ti e fui buscar gelo. 

Passei uma pedra fresca na pele ferida, numa erupção talvez causada pela maceração da agulha.

Adormeci.

No dia seguinte, procurei-te por todo o lado. 

Mas não te encontrei. 

Vejo apenas uma ridícula aranha que me segue para todo o lado.


SOBRE A AUTORA

Sandra Amado

Sandra Amado nasceu em Lisboa, em 1972, e vive no Luxemburgo desde 2011. Em Portugal, licenciou-se em Sociologia. No Luxemburgo, estudou Gestão, desenvolvendo, ao mesmo tempo, uma paixão pela língua francesa.

As saudades de Portugal e uma nova identidade cultural foram os motores da escrita — mal du pays, como dizem os franceses.

Iniciou-se na escrita criativa em francês, sempre com vontade de ir mais além. Durante o confinamento, apaixonou-se pelos cursos de escrita de terror da Escrever Escrever, integrando, mais tarde, a antologia Sangue Novo, com o conto «A Mais Bela Profissão».

Aprecia o gótico, as emoções, as sensações e a acústica que cria nos seus contos. Acredita que o percurso de uma vida normal, como a sua, poderia dar um conto de terror, e é por isso que acredita nesta escrita.