Bonequinha

de Patrícia Sá

Eu avisei-te. Disse-te que ela era má influência, que te ia encher a cabeça de ideias absurdas. Que te ia afastar de mim. E agora estás aqui. E de quem é a culpa? Não, não me olhes assim, bonequinha… Sabes que o papá faz tudo por ti.

De repente, começaste a dizer coisas muito tolas, que eu era «doente», que o que fazíamos era «errado», que as minhas criações eram «horríveis». Lembro-me de gostares muito do meu trabalho quando eras pequenina, de quando me pediste para embalsamar a tua amiguinha Leonor, porque tinhas receio de que se afastassem durante as férias. Não finjas que já não a vais visitar, ou que não te sentes feliz quando a vês, sorridente e querida como sempre.

Que ideias estapafúrdias eram aquelas? Ias chamar a polícia? Ias entregar-te? Não consegues lidar com a culpa?

Não, não, bonequinha. Vejo que fui demasiado descuidado. Deixei aquela parasita a que chamas «noiva» entrar no nosso lar, e agora nós é que somos os monstros. Nunca te devia ter deixado ir. Nasceste para ser a minha bonequinha, a minha criação perfeita. Não é um verme como ela que vai fazer com que isso mude.

Além disso, não faz mal, o problema está resolvido. O teu sorriso está a cicatrizar lindamente e as bochechas estão rosadas e cheias. Se ao menos os teus olhinhos colaborassem

 

SOBRE A AUTORA

Patrícia Sá

Patrícia Sá nasceu em 1999. Desde muito cedo que encontrou um refúgio na escrita e estreou-se como autora em 2021, com o conto «Amor», na antologia Sangue Novo. Interessa-se especialmente pelo estudo da monstruosidade na literatura, nas artes e na cultura. Está determinada a provar que o terror é um género sólido. A arma dela? Resmas de livros teóricos sobre o assunto. Sublinhados. E com post-its.