Câmara-Ardente
de Alexandra Maria Duarte
A família, chorosa, assistira às últimas palavras do padre. A cerimónia fora breve. O caixão de João da Silva, esposo, pai, avô, que pernoitara numa das salas do complexo funerário, descia para o piso inferior, onde entraria no forno crematório.
Numa outra sala, um caixão averbado ao nome João Silva aguardava o corpo do dito, que chegaria nesse dia.
Na noite anterior, Daniel ocupara esse caixão, após uma aposta com os amigos. Os rapazes já deviam saber, Daniel nunca recusava um desafio, sobretudo se envolvesse dinheiro. Passar a noite dentro de um caixão pagar-lhe-ia um fim-de-semana no Gerês.
*
O aumento de trabalho no complexo levara à contratação de um jovem assistente, rapaz que nunca primara pelo bom uso da língua portuguesa. Mas, Armindo, as partículas nos nomes importam, sim!
*
Daniel começaria, em breve, a sentir calor… muito calor.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Alexandra Maria Duarte
Nascida nas Beiras, a paixão pela escrita leva-a a Lisboa para estudar Línguas e Tradução. Começa, em 2020, a frequentar cursos de escrita criativa, vindo a publicar o seu primeiro conto, «Morte de Perdição», na coletânea Não Vão os Lobos Voltar. Participa, depois, na antologia Contos que Contas Tu, estreando-se na literatura infantil com o conto «Sarapinta Joaninha, Quantas Pintas Pintas Tu?». É colaboradora na revista Palavrar – Ler e Escrever É Resistir.