Conforto

de Ricardo Alfaia

 

Estas linhas são para ti. Sei quem és. Conheço os teus olhos e a maneira particular como saltam de palavra em palavra. Gostas de passar os dedos pela capa dos livros antes de os abrires e demoras um tanto-nada mais a ler a palavra sangue. Aprecias como a tua língua se liberta do céu da boca para depois repousar e deixar a garganta levemente acabar a palavra. Quando a lês, sentes uma pequena irritação no peito. Ocasionalmente, engoles em seco. Estou contigo. Sei como pecaste — o que fizeste; o que jamais poderás esquecer. Aquilo que tentas manter em segredo. Por vezes, hesitas e tens o desejo de contar tudo. Sim, eu sei. Queres aliviar-te, embranquecer a alma, aligeirar os ombros. Mas tens medo, receias as consequências. E tens razão em ter medo. Nunca te perdoariam. Não estás só, no entanto. Comigo, podes falar, eu não te julgo. Sempre desejaste alguém que te amasse assim, incondicionalmente. Eu estou aqui. Em mim, encontras uma lixeira para a tua consciência, um amparo afetivo. Ah, tão bom sono terás. Tão completo descanso te servirei. Estou contigo. Para sempre. O meu sustento é o teu segredo, o meu alvo a tua felicidade. Mais segredos virão e mais feliz serás. Vou-me tornar voz e vou viver só para ti. E em ti. Confia e encontrarás a absolvição. Tu sabes como. Vem. Lê-me e descansa. Lê-me e deixa-me entrar. Fecha os olhos… Ouve-me… Agora.

SOBRE O AUTOR

Ricardo Alfaia

1969 (Maternidade Alfredo da Costa, Lisboa) > Évora > Lisboa > Évora > Nuremberga > Ingolstadt > Weichering > Santa Cruz.

Empregado de mesa > cozinheiro > condutor > barman > casamento > assistente de fotografia publicitária > filho > fotógrafo > gerente de restauração > designer gráfico > filho > filha > web designer > autor > cofundador da Fábrica do Terror.

 

«O Homem planeia, e Deus ri.»