Consequências

de Patrícia Sá

Sabia exatamente por que fora amaldiçoado.

Quando era miúdo, havia uma bruxa no bairro e era um dos meus passatempos preferidos incomodá-la — afinal, quem não acharia hilariante ver uma senhora branca como cal a usar um chapéu maior do que ela?

Quando somos crianças, não temos bem a noção das consequências dos nossos atos. É tudo na brincadeira. Em adulto, sei que as minhas ações têm um preço.

Não era como se a praga fosse particularmente horrível. Não me nasceram verrugas, não me transformei em sapo, não vi a morte a cada esquina. Porém, uma maldição, não importa o quão menor, não deixa de o ser.

Tinha comichões constantes, ao ponto de as minhas costas, os meus braços e as minhas pernas se terem convertido num tapete de cicatrizes. Sempre que entrava num sítio desconhecido, o chão abanava e perdia o equilíbrio. Quando olhava o espelho pela manhã, via a minha face contorcida num sorriso demasiado largo, de aspeto doloroso, e, dos meus olhos, corriam lágrimas vermelhas. Era uma imagem hedionda, mas acabava por desaparecer ao longo do dia.

Deduzi que a finalidade da praga não era a minha morte, mas antes uma tortura incessante. Ainda não sabia qual das duas hipóteses era pior, ao fim de treze amaldiçoados anos. Pensei em contactar a bruxa do meu bairro de infância, mas, para meu espanto e profunda desilusão, já tinha falecido. Saíra deste plano e deixara a maldição para trás, como se nada fosse. Restava-me uma certeza, e isso, sim, era o pior desfecho: a impossibilidade de sair daquele ciclo.

Logicamente, recorri a outros sapientes do sobrenatural. Nenhum foi capaz de me ajudar. «Meteu-se com uma bruxa, agora há consequências», diziam todos. Tudo bem, pensei. Havia consequências. Mas como poderia a maldição decorrer normalmente, agora que a sua origem tinha desaparecido? Estar dependente de uma força totalmente descontrolada aterrorizou-me pela primeira vez naqueles treze anos. De repente, tudo era imprevisível: a maldição podia evoluir, ganhar novas formas, desenvolver vontade própria.

O que dantes era um incómodo, ao qual me poderia acostumar, tornou-se a raiz de um pavor gélido e aguçado que me levou a arrancar os cabelos, trancar as portas, desligar o gás, esconder as facas. Vivia enrolado em mim mesmo, como uma criança amedrontada e chorosa. Não podia confiar em nada nem em ninguém.

Era então que me perguntava, durante os escassos momentos de lucidez, se a bruxa, algures, não se estaria a rir.

 

SOBRE A AUTORA

Patrícia Sá

Patrícia Sá nasceu em 1999. Desde muito cedo que encontrou um refúgio na escrita e estreou-se como autora em 2021, com o conto «Amor», na antologia Sangue Novo. Interessa-se especialmente pelo estudo da monstruosidade na literatura, nas artes e na cultura. Está determinada a provar que o terror é um género sólido. A arma dela? Resmas de livros teóricos sobre o assunto. Sublinhados. E com post-its.