Custo

de José Maria Covas

Era mais um dia habitual para Augusto. Há já muito tempo que tinha aprendido a gostar da rotina, apesar de esta sempre ter sido uma necessidade. Isto porque desejava encontrar um espectro de ideias para solucionar o contínuo problema de não só sobreviver, mas prosperar. Era um facto que os seus pais haviam construído uma vida relativamente confortável a partir do nada em que tinham nascido.  Garantiram assim ao seu filho os altos estudos que a eles lhes foram negados. A maneira de este retribuir era utilizar a virtude que tinha herdado para lhes proporcionar um bom final de vida neste mundo.

No entanto, para os sonhos de Augusto e dos seus pais se tornarem realidade, era necessário regular as suas vivências até ao mais ínfimo detalhe. Certamente, podia-se, de vez em quando, dar um passeio pela sua terra, ver exposições e peças de teatro, comer algo diferente, viajar…, mas isso requeria certos ajustes, tais como todos habitarem a mesma casa vitoriana. Esta era composta por uma sala de estar, que fora convertida no seu local de trabalho para poder tomar conta dos pais enquanto os sustentava, uma cozinha, casa de banho e quarto.

Parecia ser um espaço pequeno, mas era eficazmente utilizado. Por exemplo, Augusto apercebera-se, numa dada altura, não só de que, devido à idade dos corpos dos pais, estes precisavam de menos nutrientes do que o seu para funcionarem bem, mas também de que não respiravam tanto. Foi então que lhes propôs uma nova forma de viver, que lhes iria dar menos preocupações com o amanhã e permitiria pensar mais no que lhes apetecia fazer no presente. No início, os pais não tinham achado muita graça àquela adaptação, e Augusto entendia-os perfeitamente, pois ele próprio, por ainda não ter acumulado muitos anos, não iria passar por aquele processo aparentemente desconfortável, podendo continuar a dormir na cama. Contudo, passado algum tempo, os pais concordaram com o simples plano, ao pensarem nas suas vantagens e no que já tinham sacrificado para chegar àquele momento.

De maneira que, desde aí até agora, além de diminuir a alimentação dos pais, Augusto retira ao anoitecer o ar extra de dentro deles, enfiando-lhes uma bomba de vácuo na boca, ficando apenas com uma quantidade essencial para subsistirem. De seguida, cuidadosamente, como se fossem folhas de pergaminho, enrola-os e coloca-os alternadamente, de modo a não terem calor nem frio, no meio dos seus livros na estante, ou numa gaveta da sua secretária. Ao amanhecer, tinha de se lembrar de desdobrá-los e fazer o inverso com uma bomba de encher pneus. Senão, os pais não conseguiriam pôr-se de pé e sair dos arrumos para apanharem as primeiras rajadas de ar fresco, orgulhosos e ao mesmo tempo incrédulos de como poderiam ter ensinado tão bem o seu menino, ao ponto de este ser mais poupado e precavido do que eles próprios!

 

SOBRE O AUTOR

José Maria Covas

José Maria Covas, desde que nasceu a 26 de setembro de 1998, sempre tentou compreender a realidade em seu redor e contribuir para a sua evolução. Licenciou-se em Ciências Biomédicas na Universidade de Coventry e fez o mestrado de investigação em Medicina Regenerativa na Faculdade de Medicina e Veterinária da Universidade de Edimburgo. Os seus poemas, contos e guiões conjugam o mistério e o estranho da literatura e cinema com o ocultismo e surrealismo das suas viagens, criando, no processo, o seu próprio universo artístico, que eternamente explora a condição humana.