Encostada

de Liliana Duarte Pereira

 

A minha querida sobrinha-neta está ali sentada na cadeira de baloiço. Sempre foi rija como uma pedra da calçada e não havia tempestade que lhe arrancasse as raízes da terra. Tenho uma forte admiração por ela. Éramos tantos, mas ficámos só as duas. Com esta modernice de não quererem ter filhos, a nossa família esgotou-se mais rapidamente. Ainda assim, ela aguentou-se até aos 55 anos. Eu é que já passei da idade, até costumo dizer em tom de ironia que Deus se esqueceu de mim, afinal já lá vão 99 natais.

Agora, o ranger do balouçar já não quebra o silêncio. Abracei-a muito durante o dia, sempre com aquela força própria da despedida. Não lamento, já lhe fiz um grande favor ao deixá-la para o fim.

Dos meus, fui a única que sobrei. Um por um, foram todos à minha frente. Não tenho culpa, poupei-os o máximo possível, mas a energia genética é mais revitalizante.

Posto isto, terei mesmo de me aventurar no exterior e confesso que não estou nada preocupada. Já me inscrevi numa associação de voluntários que faz companhia a idosos, como eles dizem. São uma excelente fonte. Vêm sedentos de fazer o bem e nunca recusam abraçar velhinhos indefesos.

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE A AUTORA

Liliana Duarte Pereira

Liliana Duarte Pereira, nascida a 30 de junho de 1986, é licenciada em Política Social através do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Sempre quis preparar os mortos para os seus funerais, mas não vingou. Tem fobia a pessoas falecidas e a portas entreabertas. Gosta de animais, de fazer doces, de rir de coisas mórbidas e de escrever.

Integrou as antologias Sangue Novo (2021), Rua Bruxedo (2022) e Sangue (2022).

Venceu o Prémio Adamastor de Ficção Fantástica em Conto (2022) com «O Manicómio das Mães», da antologia Sangue Novo.