Epoóforo

De Nuno Sousa Oliveira

 

É um espaço quente de tons rosados e vermelhos. Por fim, depois de tantos anos naquela maldita quinta, sentes-te um pouco em casa. Se não fosse este cheiro…

De onde vem este fedor acre e pútrido? Vem-te à memória aquele bezerro e o cheiro que ficou depois. Arrancaste-o com as tuas próprias mãos, mais um nado-morto entre muitos. Estavas farto de ouvir o raio da vaca a berrar.

Estavas cansado, também tu ias ser pai. Ias… Foi breve, como o bezerro. No entanto, enfim só. Ela partiu. Guarda a tua raiva para ti, disse. E assim foi.

Está tão quente aqui. Mal sentes o visco, enrolado assim, inerte. É quase maternal este abraço. E este silêncio… dissipou tudo, sobretudo aquela maldita quinta. Era tudo tão frágil, como tu e ela, mas sobretudo tu. Já não havia espaço para nascer nada. Nem lá nem cá.

Só querias gatinhar ali para dentro. Os berros calaram-se. Era o lar que querias. Foi só abrir e entrar. A raiva metamorfoseou-se. Se não fosse este cheiro…

 

SOBRE O AUTOR

Nuno Sousa Oliveira

Nuno Sousa Oliveira gostava de dedicar-se à pesca, mas era demasiado impaciente.
É agora tradutor audiovisual e especialista em efemeridades como música, cinema e videojogos.
Sonhava realizar e coreografar um filme de artes marciais, mas ficou-se pela escrita criativa.
Se pudesse alimentar-se só de livros, comeria um sci-fizito para o almoço, talvez uma biografia de um músico de rock para o jantar e um terrorzinho para a ceia.