Foi A Noite Que Te Levou

de Maria Varanda

 

El que no sabe de amores llorona, no sabe lo que es martirio.

Natalia Lafourcade, La Llorona

 

Chamei-lhe Noite e foi ela que te levou. Não porque fosse a noite em si, mas porque à escuridão pertencia. Veio pela calada, num voto de sigilo e promessa.

Não lhe reconheci a forma ou o modo como se movia.

Só a reconheci pela cor do véu; o véu que a cobria.

As mãos eram quatro largas conchas, mas os braços seis e esguios; não eram humanos ou animais, e certamente não eram divinos — eram de qualquer outra força que só as trevas entendia.

Foi com elas que te pegou.

Neles que te carregou.

Vi o teu rosto branco e a tua expressão retorcida perante a queda do véu,.

A visão do que ocultava.

A sentença que ditava.

Não tinha olhos, mas sete imensas bocas das quais ardiam chamas quentes, roubadas das velas que suplicaram pela sua presença.

Deleitou-se com a tua carne e a tua alma. Foi-lhe dada a minha licença.

Chamei-lhe Noite porque toda ela era preta, e porque respondeu ao meu pedido. Porque te levou sob o luar, pelo que tenho sofrido.

 

 

SOBRE A AUTORA

Maria Varanda

Nasceu no ano de 1994, sob uma lua minguante, em Sintra, e cresceu a ouvir histórias da aldeia, sobre o papão e ossos escondidos na cave — ganhou-lhe gosto. Está sempre à procura de inspiração na vida real para mais uma história, mas na falta de ideias basta tirar o tabuleiro de ouija, acender umas velas e esperar. Depois, é só passar a mensagem para o papel. Procura-se quem queira ouvir.

A mensagem parece ter chegado aos ouvidos de alguns, com a atribuição do Prémio Adamastor de Ficção Fantástica ao seu conto, «Anfitrite».