Fotografia de Natal

de Alexandra Maria Duarte

 

As mangas arregaçadas deixavam a descoberto as nódoas negras e queimaduras de cigarros nos antebraços. Nada que impedisse o vigor com que a mãe batia a massa, libertando os aromas da canela e gengibre, delatores da época festiva.

— Mãe, acho que temos o suficiente. — O adolescente entrou na cozinha e apontou para o caixote que arrastava pelo chão.

Dirigiram-se, então, à sala e começaram a enfeitar o pinheiro. Do caixote, iam tirando pedaços de carne que furavam com um arame e dependuravam nos ramos. Um dedo, parte de um pé, algo que parecia ter sido uma panturrilha. O sangue ainda gotejava. Tanto melhor. Há lá cor mais natalícia do que o vermelho?

— E a cabeça? É pesada.

— O teu pai sempre foi cabeçudo. Põe debaixo da árvore, junto aos presentes.

Deram uns passos atrás. Observaram e sorriram.

— Filho, põe lá a máquina no tripé. Estamos prontos para a fotografia.

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE A AUTORA

Alexandra Maria Duarte

Nascida nas Beiras, a paixão pela escrita leva-a a Lisboa para estudar Línguas e Tradução. Começa, em 2020, a frequentar cursos de escrita criativa, vindo a publicar o seu primeiro conto, «Morte de Perdição», na coletânea Não Vão os Lobos Voltar. Participa, depois, na antologia Contos que Contas Tu, estreando-se na literatura infantil com o conto «Sarapinta Joaninha, Quantas Pintas Pintas Tu?». É colaboradora na revista Palavrar – Ler e Escrever É Resistir.