Grito

de Miguel Gonçalves

Do outro lado da sala, algo tiniu. Ingrid olhou para cima e tapou a boca com a mão, tentando manter o início de um grito nas profundezas da garganta.

Encolheu-se e tentou tornar-se uma só com o armário à sua esquerda, o mais longe da porta que poderia estar, o mais longe possível do pedaço de metal cintilante que tinha vislumbrado.

Por um momento, o ruído subiu de intensidade, como se o que quer que fosse que inicialmente o produzira estivesse acompanhado por mais uma dúzia do seu género.

E de repente, da mesma maneira como tinha aumentado, todo o barulho parou. Não só o barulho, Ingrid notou, mas todos os ruídos de fundo. Lembrou-se da primeira vez que fez mergulho, de como os ouvidos se tinham enchido de água e de como o som parecera desaparecer.

E, tal como dessa vez, com um estalo, o som voltou.

E com ele o ruído estridente da porta do armário a abrir.

Ingrid tentou afastar-se do seu, agora não tão seguro, esconderijo.

Ouviu o barulho das pernas de metal, afiadas como facas, antes de as ver sair da abertura escura do armário.

Finalmente, deixou sair o grito crescera dentro dela.

Mas, nessa altura, já era demasiado tarde.

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE O AUTOR

Miguel Gonçalves

Miguel Gonçalves nasceu no Porto nos anos 80.

Cresceu com banda desenhada, livros de fantasia e de horror — bem como filmes — e com bandas de hair metal.

Começou a escrever desde novo, e as suas histórias são uma mistura de horror, thriller e serial killers, entrando às vezes pelo sobrenatural.

O seu tempo livre é ocupado com jogos de roleplay — sendo Call of Cthulhu, Dungeons & Dragons e Vampire the Masquerade as suas principais preferências — e a ler ou a escrever num Starbucks.

Na Internet, podem encontrá-lo em: https://linktr.ee/AngelusSanguis