Insónia
de Sandra Amado
Deixa-me adormecer,
seguir o brilho da lua cheia.
Sentir o som que desaparece em mim.
Quero aceitar os males da raiva que cravaste na minha pele,
como um rio que segue o seu curso.
Deixa-me desaparecer, quero embalar-me na terra dos sonhos
e construir mundos novos.
Liberta Ibraemanuel, nosso salvador,
aquele a quem confiámos nossas promessas
e a esperança de um mundo melhor.
Vendemos-te o sono, pensando ter feito uma boa troca.
E é certo que conhecemos a noite num só dia.
Percorremos vales e mergulhámos em florestas desconhecidas.
Viajámos e estivemos com novas gentes.
Descobrimos livros de uma só vida e vivemos mais de mil anos.
Aprendemos todas as línguas que havia para aprender.
Mas depois não havia mais nada, tudo era conhecido.
Caímos no vazio e desejámos a morte — vida vazia e desencantamento.
Por isso, agora peço-te, Galiel, solta as amarras do teu irmão.
Não digas que cada um deve pagar os pecados que cometeu.
Quisemos somente saber mais, Galiel. E tu prometeste-nos um mundo em troca do nosso.
Foi fraqueza, eu sei — essa nossa sede de conhecer.
É um vício que se entranha na pele e que corrói a alma.
Não sei por que te recusas a libertar-nos,
por que te divertes no nosso mundo, ainda cheio de esperança,
mas haveremos de triunfar.
Duas noites sem comer e sem beber. A fraqueza do corpo vencerá a vontade.
Deixaremos de trabalhar. Num curto espaço de tempo, estaremos mais perto de Ibraemanuel.
Recusaremos a amar,
estaremos mais atentos.
E quando os nossos filhos não voltarem a nascer,
estaremos prontos para adormecer.
SOBRE A AUTORA
Sandra Amado
Sandra Amado nasceu em Lisboa, em 1972, e vive no Luxemburgo desde 2011. Em Portugal, licenciou-se em Sociologia. No Luxemburgo, estudou Gestão, desenvolvendo, ao mesmo tempo, uma paixão pela língua francesa.
As saudades de Portugal e uma nova identidade cultural foram os motores da escrita — mal du pays, como dizem os franceses.
Iniciou-se na escrita criativa em francês, sempre com vontade de ir mais além. Durante o confinamento, apaixonou-se pelos cursos de escrita de terror da Escrever Escrever, integrando, mais tarde, a antologia Sangue Novo, com o conto «A Mais Bela Profissão».
Aprecia o gótico, as emoções, as sensações e a acústica que cria nos seus contos. Acredita que o percurso de uma vida normal, como a sua, poderia dar um conto de terror, e é por isso que acredita nesta escrita.