L’Appel du Vide
de Susana Silva
Enterrei-te e continuo fechado.
O que eras,
Em breve uma carcaça imunda,
Putrefacta,
Devorada pelo espelho do tempo,
Fragmentada por todos os que alimentarás.
Abraço a escuridão.
Mais uma tábua na janela para o outro lado.
O vazio oco inunda-me.
Oiço-o a corroer-me,
A mim,
Aos meus ossos,
A murmurar em silêncio,
Enquanto toca cada célula minha,
Quebrando cada átomo
E o preenche com o não-ser,
Lentamente, tão lentamente.
Hoje, as pernas, aos poucos,
Cheias daquele branco amorfo infinito.
Arrasto-me neste chão velho.
Cravo mais uma tábua.
O tiquetaque incessante estilhaça-me.
Uma mais.
Cerro os punhos.
Não, não os braços, o lá fora ainda existe.
Outra.
Um rio viscoso corre da minha boca.
Movo os olhos freneticamente.
Tento procurar algo.
Ausência de luz.
Enterrei-te.
Anoitece agora na minha mente.
Oiço o canto do cisne e martelo a última fresta de luz.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Susana Silva
Susana Silva, também conhecida como Susie Saint-Claire, nasceu em Lisboa, mas foi Évora a cidade que a viu crescer. É oceanógrafa física, mas desde cedo que a escrita mora na sua gaveta. Em 2021, o seu conto de estreia, «O Palco Vazio», integrou a antologia de contos de terror Sangue Novo. Para Susie, a escrita é uma forma de expressão sensorial, que usa para pintar imagens aprisionadas na sua mente. Mergulhar na sua prosa poética é descer a um mundo de escuridão, melancolia e tempo…