Mamã
de Martina Mendes
Quero que saibas que segui as tuas regras. Não falei com estranhos. Fui a boa menina que me ensinaste a ser. Disse «olá» e «obrigada». Respeitei os adultos. Não revirei os olhos ou respondi torto. Fiz o que sempre me disseste.
Mas, agora, não sei o que fazer. Por favor, ajuda-me.
Sei que estás perto. Oiço os teus passos ecoarem na madeira por cima de mim, mas não consigo chamar-te. As cordas que me prendem proíbem-me de bater no alçapão que me levaria até ti.
Por favor, mamã… Por favor, salva-me.
Só tu me podes encontrar.
Só tu podes ver as mentiras.
Ela enganou-te. Enganou-te completamente.
Não chores nos braços da mulher que me roubou. Por favor… não o faças.
Consigo sentir o teu abraço caloroso em volta dela. Lembro-me dele a envolver-me. Consigo sentir o calor. O beijo que me davas no topo da cabeça. O meu nariz a roçar o teu pescoço. O teu perfume a jasmim.
Mas tu não estás aqui. Não é o teu abraço que me envolve. Não é o teu cheiro que me acorda. É o sal das minhas lágrimas. É a dor das memórias. As que começam a desaparecer.
Por favor, encontra-me.
Estou aqui mesmo, por baixo de ti.
Por favor.
Tenho tentado dar-te pistas.
Por favor, olha.
Consegues ver a mordida na mão dela? Consegues ver nela os meus dentes ainda tortos?
Ou será que já não estão?
Será que já não me reconheces?
Por favor, lembra-te. Encontra-me.
Porque eu não consigo lutar mais. Não tenho como.
Gritei, ao princípio.
Depois, tentei fugir.
Bati-lhe. Gritei mais.
Chorei. Implorei. Rastejei.
E tu sabes bem como era teimosa. Mas, por ti, rastejei.
Deixei-lhe marcas no corpo para que as visses.
Mas apenas te ouvi perguntar o que se tinha passado. Preocupaste-te com ela. E eu chorei mais.
Ela roubou-me, mas também te roubou de mim.
Não sei há quanto tempo aqui estou. Não vejo os dias a passar. Não vejo o céu nem a forma das nuvens.
Vejo o bolor a criar formas, agora. Mas são apenas monstros, mamã. Só vejo monstros. E com eles, a tua cara começa a desaparecer.
Tinhas olhos castanhos? Ou eram verde-escuros?
E os meus, mamã? Eram como os teus?
Por favor, não deixes que me esqueça de ti.
E, no entanto, talvez não haja esperança.
Afinal, é o que estás a dizer-lhe… «Talvez não haja esperança. Talvez seja melhor parar de procurar. Talvez seja melhor parar de lutar.»
Mamã, se tu desistires, eu paro de tentar.
Não choro mais.
Não luto mais.
E não te odeio.
Prometo.
SOBRE A AUTORA
Martina Mendes
Martina Mendes nasceu em 1994 e cresceu em Ansião, uma pequena vila. Foi aí que estudou e que começou a desenvolver as suas primeiras histórias. Licenciou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde melhorou a sua escrita e o seu mundo ficcional. Em 2021, integrou a antologia de terror Sangue Novo, onde fez a sua estreia autoral.