Maresia
de Liliana Duarte Pereira
Aguardei pelo Inverno, não queria público. Sentei-me na areia, junto às dunas, com uma vista aberta sobre aquele gigante. Fingia não gostar de praia, mas na verdade não podia sujeitar-me ao calor, nem aos pingos energéticos do chapinhar das crianças.
Não podia transpirar. Era a que ficava sempre nas bancadas.
Não podia beber água. Contentava-me com sumos e cápsulas de hidratação.
Não podia tomar banho. Remediava a minha higiene.
Não podia chorar. Evitava a tristeza; quando ela chegava, era sempre sem lágrimas. Antes de me sentar, corri pelo paredão como se perseguisse um gatuno. A secura pedia água. Bebia-a de um só gole.
Tomei banho nos balneários. A água quente disputou a atenção com o champô e o gel de banho. Nunca me senti tão perfumada.
A minha pele começou a gritar-me. Estava zangada. A vermelhidão denunciava a raiva. O ardor e a prurido espalhavam-se em todas as direcções, alimentando-se de mim. Finquei as unhas na carne até me colorir de sangue. A dor era idêntica ao espetar de milhares de agulhas.
Tirei a roupa e caminhei pelo areal como um cão sarnento. O céu chorava. Acelerei a passada, cobrindo-me de mar. Sentir a sua frescura e tocar na espuma branca foram os prémios. O sal temperou-me até adormecer.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Liliana Duarte Pereira
Liliana Duarte Pereira, nascida a 30 de junho de 1986, é licenciada em Política Social através do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Sempre quis preparar os mortos para os seus funerais, mas não vingou. Tem fobia a pessoas falecidas e a portas entreabertas. Gosta de animais, de fazer doces, de rir de coisas mórbidas e de escrever.
Integrou as antologias Sangue Novo (2021), Rua Bruxedo (2022) e Sangue (2022).
Venceu o Prémio Adamastor de Ficção Fantástica em Conto (2022) com «O Manicómio das Mães», da antologia Sangue Novo.