Meditações

de Cláudia Passarinho

 

Fernão fechou o livro. A biblioteca herdada pelo pai mantinha o cheiro a carvalho e sebo, entregues ao papel que envelhecera por entre prateleiras. Aprendeu a apaixonar-se pelos livros. Desde novo que ficava horas agachado, de olhar perdido nas lombadas, nas costuras, nas saliências do couro. Passava o dedo nas linhas douradas e inspirava o odor da tinta misturado com o suor do final da tarde de verão. Por vezes, comunicavam com ele brilhando, enquanto o sol fingia não dar conta dos amantes. Entre a obra, permanecia o enchumaço que o impedia de se fechar completamente. Sabia que um conjunto de folhas ficariam humedecidas. Mas pouco importava. Todos nós, uma vez ou outra, nos sacrificámos por amor. Hoje, era pelas palavras. Apertou o Meditações entre as mãos. Procurou a melhor frase de despedida. Porém, por entre a abertura da boca, não lhe saiu som. A língua já não lhe pertencia.

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

 

SOBRE A AUTORA

Cláudia Passarinho

Cláudia Passarinho nasce no ano de 1980, em Lisboa. É a quarta geração a residir numa vila lisboeta por onde tantos escritores já passaram. Licenciou-se em Desenvolvimento Comunitário e Saúde Mental pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada em 2004, tendo posteriormente completado uma pós-graduação em Gestão de Recursos Humanos. É casada e mãe de dois filhos. Da sua família, sacia o amor, a união e a força para os seus projetos.

É nas páginas dos livros que encontra refúgio e será através das suas palavras que procurará deixar um legado. Conta com a participação em várias coletâneas e revistas digitais, enquanto contista. É cofundadora do podcast «Livros a três» e desenvolve um papel ativo em projetos de formação de Escrita Criativa e na divulgação da importância da leitura.