Não Abras a Janela
de Marta Nazaré
Ele vinha sempre depois de a mãe apagar a luz e fechar a porta do quarto. Começava com um sussurro que parecia o sibilar do vento a passar pelos ramos das árvores. Depois, seguia-se um raspar leve no vidro, e a sombra aparecia ao canto da janela. Durante várias noites, eu e o meu irmão mais novo tardávamos em adormecer com aquela presença a espreitar-nos do lado de fora. Não era ameaçadora, era apenas incómoda. Pelo menos, no início.
Tudo mudou quando, certa noite, o meu irmão falou para a sombra, pedindo-lhe que se fosse embora e nos deixasse dormir. Desde esse instante irrefletido, deixámos de ser importunados por uma simples presença e passámos a ser atormentados por uma criatura irritante. Noite após noite, adotava uma forma diferente e pedia-nos para lhe abrirmos a janela. Negociava, regateava, oferecia-nos o que mais desejávamos, mas eu e o meu irmão não cedíamos. E como nos mantínhamos sempre firmes na decisão de não o deixarmos entrar, o metamorfo enfurecia-se e ameaçava-nos. Batia na janela. Berrava de frustração até ao romper da madrugava. Nessa altura, desistia, ia-se embora e podíamos finalmente dormir.
Naquela noite fria de dezembro, deixei-me embalar pelo cansaço. Passadas tantas semanas, e tantas formas depois, percebi o esquema do monstro. Convenci-me de que era apenas uma questão de tempo até ele desistir e resolver importunar outras crianças. Já estava quase a cair no sono quando o trinco de algo a abrir me fez despertar com um calafrio. Lancei-me para o meu irmão, mas não fui a tempo de o impedir de abrir a janela de par em par. Antes de o demónio se abater sobre nós, ainda ouvi o meu irmão exclamar:
― Pai Natal!
SOBRE A AUTORA
Marta Nazaré
Nascida em 1981, formou-se em LLM-I/A e Tradução. Quando não está a escrever contos, traduz livros infantojuvenis e legenda filmes e séries.
Estreou-se como autora na antologia Sangue Novo.
Temos a certeza de que já foi monstro numa outra vida, mas daqueles fofinhos que decidem contrariar estereótipos e mostrar que estas criaturas (também) têm bom coração. É com ela que contamos para saber tudo sobre o error infantojuvenil.