Noite de Natal

de Álvaro Oliveira

Era noite de Natal.

Como era hábito, a menina aguardava impacientemente pela manhã. A abertura das prendas era o seu momento favorito.

Na sua cama, adormecia e acordava repetidamente, tal era a ânsia de olhar para o lado e ver o Sol raiar pela manhã, de correr a toda a velocidade para a cama dos pais, a gritar que o Pai Natal tinha chegado. Mal podia esperar.

Por ora, no entanto, dormitava, inquieta, enquanto a noite progredia.

Foi acordada com um som, um baque surdo, e alguns passos ecoaram pelas divisões. Seria o Pai Natal?, interrogou-se a menina. A noite ainda reinava.

Os passos continuaram, apressados. A menina não esperou mais. Ver o Pai Natal seria melhor do que qualquer abertura de prendas.

Suavemente, desceu da cama, pousando os pequenos pés no chão frio, e espreitou pelo corredor. À esquerda, estava o quarto dos pais, de porta entreaberta. Vão perder o Pai Natal, pensou. À frente, encontrava-se a sala, ainda envolta na penumbra.

Avançou pelo corredor, estacando de seguida, escutando atentamente.

Um pingar leve soou algures. Uma torneira aberta, provavelmente. Focou a sua atenção na sala em frente. Apesar de a penumbra constituir um obstáculo para a visão, não o era para a audição, e a menina ouviu claramente que havia passos vindos dali.

Ainda com algum receio, chamou levemente:

— Pai Natal?

Os passos pararam. Por momentos, toda a casa ficou em silêncio. Depois, os passos retornaram, desta vez em direção à menina, parando novamente em frente a ela.

— Pai Natal? — sussurrou ela de novo, estranhando a falta da vestimenta vermelha e barba branca.

O vulto que a observava estava vestido de preto. Com a escuridão da noite, parecia praticamente fundir-se com as sombras. No entanto, apesar do ar ameaçador, baixou-se para melhor olhar a menina, e ergueu um sorriso, pouco aparente na obscuridade.

— Como é que te chamas? — perguntou ele, ainda a sorrir. Apenas os dentes brancos eram visíveis, reluzindo tenuemente.

A menina deu um passo atrás, visivelmente assustada.

— Não te preocupes, estava só a deixar os presentes — assegurou ele baixinho, com uma voz suave e calma.

— Onde é que está a tua roupa, Pai Natal? — questionou ela, ainda receosa.

— Tens uma chaminé muito estreita, a roupa não cabia. Mas podes ficar descansada, que todas as prendas couberam na mesma — garantiu ele, não desviando os olhos da pequena.

Ela pareceu acreditar. Aliviou um pouco o semblante receoso.

— E a tua barba branca e grande?

— Ora, tive de a cortar. És a décima chaminé, já tinha mais fuligem que barba — gracejou ele.

A rapariga soltou uma pequena gargalhada. O receio que restava evaporou-se.

— Posso abrir já os presentes?

— Vamos fazer assim… — começou ele, olhando a menina nos olhos. — Se fores uma boa menina e voltares para a cama agora, de manhã vais encontrar um presente especial na cama dos teus pais.

A menina arregalou os olhos. Mal conseguia conter o entusiasmo. Assentiu, indicando que ia ser uma boa menina. A figura escura pareceu satisfeita. Levantou-se e acenou-lhe, assinalando que era hora de voltar a dormir.

— Adeus, Pai Natal — disse ela em surdina, retribuindo o aceno e voltando para trás.

A excitação retomou-a, no caminho para a cama. Tanto até que não se lembrou de ir ao quarto dos pais avisar que o Pai Natal lá ia deixar uma prenda especial. Como tal, não os encontrou mortos na cama, com o colchão ensopado de sangue, a pingar suave, mas audivelmente, para o chão polido de madeira.

A menina tornou a deitar-se, ansiando a manhã, a abertura das prendas e o abraço dos pais.

Era noite de Natal, mas a manhã não tardaria.