Noite de S. João

de Goataçara

 

— Mas ponho a mesa para dois?

— Não te esqueças de que a casa deve estar vazia!

— Sim, quando der meia-noite!

— Vão estar todos na festa…

 

O grupo de raparigas parecia bastante agitado. Mais tarde, cada uma em sua casa, vestiram os seus melhores vestidos, a roupa interior mais branca, lavaram os cabelos, pentearam-se; as mais ricas chegaram a usar o perfume das mães.

À medida que a meia-noite se aproximava, os corações aceleravam o ritmo. Estavam nervosas. Não era todos os dias que estas raparigas, que já tinham estudado até à quarta classe, e cuja vida se resumia a trabalhar no campo e em casa para ajudar a família, podiam ter um vislumbre do futuro.

Para elas, o futuro era casar. Essa seria a libertação de uma vida pobre, igual todos os dias e sem grande emoção. Há meses que esperavam por este dia. Sonhavam e confidenciavam sobre como seriam os futuros maridos, as suas casas, os seus filhos, com uma ânsia de liberdade própria de quem não vê os limites de uma gaiola maior.

Lá estavam, sentadas à espera. Cada mesa com dois pratos. Algumas, mais românticas, colocaram flores na mesa; outras, mais desconfiadas, deixaram as luzes da casa todas acesas. No pátio da aldeia, uma grande fogueira ardia e crepitava, e os jovens rapazes tentavam saltar por cima dela.

Reza a lenda, sussurrada pelas velhas anciãs nas esquinas das casas da aldeia, que na noite de S. João, se as solteiras colocarem a mesa para jantar e esperarem pela meia-noite, poderão ver os futuros maridos lá sentados.

As raparigas assim fizeram, e à meia-noite puderam ver os futuros maridos, que eu não sou de gorar rituais e superstições. Viram-nos, mas com mais cem anos. Alguns sem cabelo, outros sem dentes, com pedaços do corpo em falta. Das suas bocas putrefactas, não saíram palavras, apenas larvas necrófagas. É natural que as raparigas tivessem enlouquecido.

O mistério dos suicídios de algumas jovens na noite de S. João persiste após cinquenta anos naquela aldeia a caminho do abandono. Foi uma tragédia.

Era tudo verdade, no entanto. Não gosto de enganar ninguém. Aqueles corpos em decomposição seriam de facto os seus maridos… no futuro.

 

SOBRE A AUTORA

Goataçara

Goataçara é uma leitora ávida, que só fez as pazes com o seu lado mais mórbido há poucos anos, antes fazia questão de o abafar para se normalizar. É entomóloga de profissão e tafófila de coração.