Nova Mensagem
de Patrícia Sá
O teu nome reluzia no ecrã do meu telemóvel. Era a nossa terceira conversa. Tinha memorizado cada uma ao mais ínfimo pormenor. Podia já facilmente imitar o teu estilo de fala. Não apenas com base nestas pequenas conversas, não; elas serviam apenas para compreender a posição do teu interlocutor. Sabia como era a tua maneira pelos vídeos que via e revia todas as noites até adormecer; sabia certas versões tuas, as que outras pessoas construíam, quer online, quer na vida real — sim, porque nós vagueávamos pelos mesmos círculos, embora nunca nos tivéssemos encontrado.
Conversas pessoais eram recentes, e cada uma ajudava a tecer a tua imagem — não mais uma imagem para juntar a todas as outras, mas a imagem. A verdadeira.
Estes pensamentos poderiam ser sintomáticos de uma qualquer obsessão, e não o nego. Mas não tinha más intenções; tu fascinavas-me, não apenas a mim, mas a todos em teu redor. Eras uma estrela com a órbita mais potente, mais irresistível. Muitos te desejavam, outros invejavam-te. Eu? Nem uma coisa nem outra. Bom, talvez um pouco das duas. Mas quem me podia culpar? Assim que te vi pela primeira vez, soube que tinha de ser a sombra no teu encalço, o teu reflexo no espelho. A tua pele. Onde fosses, onde simplesmente existisses, eu estaria lá, até ao dia em que nem um rasto teu sobrasse.
Ninguém entende esta sensação, de não apenas desejar possuir, mas ser. Escavar um buraco no teu interior com a minha forma. Entranhar-me. Fazer de ti o saco que nos carregaria. E, quando finalmente cada músculo, cada osso, cada órgão, cada gota de sangue contivesse a minha essência, tu desaparecerias. E, de certa maneira, também eu. Seríamos algo novo, melhor. A união perfeita de dois seres.
Mesmo que não o entendesses, mesmo que fosses como os outros, pouco iria importar.
A tua resposta iluminou o ecrã. Sorri e aguardei alguns minutos antes de compor uma nova mensagem.
SOBRE A AUTORA
Patrícia Sá
Patrícia Sá nasceu em 1999. Desde muito cedo que encontrou um refúgio na escrita e estreou-se como autora em 2021, com o conto «Amor», na antologia Sangue Novo. Interessa-se especialmente pelo estudo da monstruosidade na literatura, nas artes e na cultura. Está determinada a provar que o terror é um género sólido. A arma dela? Resmas de livros teóricos sobre o assunto. Sublinhados. E com post-its.