O Cheiro Vermelho

De Nuno Amaral Jorge

 

Luz. Finalmente. Mas as arestas… Parecem estar a mexer. Deve ser impressão minha. Cansaço. Prossigamos. O chão está escorregadio. Está tudo molhado e oleoso. E este cheiro metálico. É bom e agoniante e já dura há demasiado tempo. 

Mais perto. Mais luz. Percebo qualquer coisa dentro da luz. Uma superfície brilhante? Parece. Limpa, esterilizada. Nada como isto. 

Agarrei a aresta. Ela molda-se à minha mão. É tecido esponjoso, muito húmido, mas ainda assim firme. O cheiro torna-se mais forte, e a luz, ainda mais próxima, fere-me os olhos. 

Começo a sair. Alguém grita. A luz junta o vermelho escuro e profundo ao aroma opressivo. A enorme ferida deixa-me sair. Finalmente. Há uma outra luz, e tudo está suspenso, como se a realidade se tivesse interrompido pelo capricho de um poder inconcebível. 

Não choro. Nem nasci. E o odor vermelho domina o mundo. 

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE O AUTOR

Nuno Amaral Jorge

Nuno Amaral Jorge nasceu em 1974. É jurista, fotógrafo amador e escritor freelance, além de bibliófilo. É guionista no projeto de banda desenhada portuguesa Apocryphus, desde a sua primeira edição, em 2016. Em 2018, publicou um livro de contos infantojuvenis chamado A Joaninha ao Contrário e Outras Histórias, e em breve será publicado um segundo volume de contos, ambos pela editora Ideias com História. Em 2019, publicou um romance chamado As Três Mortes de um Homem Banal,  pela Editora Planeta e, em 2020, participou na antologia de contos na edição comemorativa dos 30 anos da APAV, À Roda de uma Vontade. Em 2022, publicou um conto na antologia Os Medos da Cidade, da Editorial Divergência e pretende acabar um romance que se encontra «a meio», bem como um conjunto de contos de terror e fantástico. Stephen King é a sua referência.