O Choro

de Rui Bastos

 

Acordo mais uma vez com o choro. Estou cansado, exausto, não me quero levantar. Sou sempre eu. Viro-me para o lado para a chamar, mas ela está a dormir profundamente. O choro continua, um bocadinho mais alto. Ela não reage. Viro-me para cima, fecho os olhos e respiro fundo. O choro pára. Sustenho a respiração, pode ser que desta vez me dê descanso, pode ser que se tenha posto confortável e adormecido outra vez. Espero cinco segundos. Dez. Volto a respirar. Mais dez segundos. Silêncio. Viro-me para o meu lado com um sorriso e oiço um guincho desesperado, um choro convulsivo — e silêncio novamente. Levanto-me de um salto e corro para fora do quarto. Ela acorda finalmente.
— O que é que foi?
— Passa-se alguma coisa com o bebé!
— Qual bebé?
Paro de repente. Nós não temos filhos.
— Qual bebé?!
O choro recomeça.

 

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE O AUTOR

Rui Bastos

Preguiçoso e rabugento, tem Stephen King e Jorge Luís Borges em muito boa estima. Gosta de estar sentado, mas prefere estar refastelado. Lê de quase tudo e escreve de
quase tudo, mas acaba sempre no mesmo tema: esquisito. Tencionava ser a primeira pessoa a ganhar todos os Nóbeis, mas entretanto foi pai, portanto um é suficiente.

Como já escreveu contos suficientes para encher um livro, só lhe falta plantar uma árvore, mas não gosta de se sujar. Tem formação numa engenharia qualquer e trabalha noutra coisa que não interessa a ninguém. Gosta de bolos e cereais.

Nunca terá juízo nenhum.

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