O Crânio

de Ondina Gaspar

 

Espero sempre pelas noites mais escuras, aquelas em que a Lua se esquece de iluminar o mármore frio das campas, para poder descansar numa delas.

Escolho criteriosamente os sepultados, perscrutando as fotos desgastadas pelo tempo e pela memória.

Entre esses rostos, nomes, datas, menções e agradecimentos familiares, a minha intuição é certeira. Pela força do hábito, consigo desenterrar as mentes mais sábias, aquelas que me atraem, os cérebros que, se ainda fossem vivos, sorveria avidamente até ao último neurónio.

Nessas noites de breu, escolho o defunto cérebro, outrora génio. Deito-me, despido, sobre a sua campa e espero que os poros da minha pele absorvam toda a sua sapiência.

Acordo. Sinto o crânio dilatado e dormente. Acredito que resultou.

Amanhã, continuarei na busca de novo talento, se a Lua estiver de feição.

 

 

 

 

*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945

SOBRE A AUTORA

Ondina Gaspar

Ondina Gaspar nasceu a 2 de novembro de 1960, na Figueira da Foz, onde vive atualmente.
Desde pequena que sonhava ser escritora. Sempre teve gosto pela leitura e escrita.
Começou a escrever um blog de reflexões e poesia aos 50 anos, como terapia.
Editou um livro intitulado Castelos de Areia, baseado no blog.
Frequentou vários cursos de escrita criativa e colaborou em várias coletâneas com contos e poesias. Neste momento, é membro do Clube dos Writers, cuja mentora é Analita Alves dos Santos.