Onde Estou?

de Marta Nazaré

Acordou sobressaltado.
Sentia-se comprimido.
Desorientado.
Estava escuro.
Asfixiava.
Era difícil mexer-se.
As mãos frias ladearam o cubículo.
O coração saía-lhe do peito.
Onde é que eu estou?
Faltava-lhe o ar.
Trémulo, tentou orientar-se.
Sufocava.
Bateu com as mãos no teto.
Pontapeou.
Nada.
Tenho de sair daqui, pedir ajuda.
«Socorro! Está aí alguém?»
Silêncio.
O que é que eu faço agora?
Sentiu o telemóvel no bolso.
Salvação.
Arquejava.
Mas como é que vim aqui parar?
Recordou-se do jantar em casa da ex-mulher.
A discussão.
Uma entre tantas.
Sempre o mesmo.
Os papéis do divórcio que ela recusava assinar.
O conhaque servido por ela.
Iam fazer as pazes.
O brinde.
Levou o copo à boca.
Aquele sabor amargo.
As tonturas.
O desmaio.
Escuridão.
Como aqui.
Mas aqui ele não respirava.
Tenho de chegar ao telemóvel.
Pedir ajuda.
Mesmo sem saber onde estou.
Quase deslocou o braço.
Mas alcançou o bolso.
Ouviu badaladas por cima dele.
Sete da manhã.
Era o sino da igreja.
Será que estou na igreja?
Pânico.
Nas catacumbas da velha igreja?!
Enterrado?!
Não…
Sentia-se a perder os sentidos.
Amaldiçoou a mulher.
Porque é que não lhe dei os milhões da conta?
Os imóveis de luxo.
Os carros desportivos.
Até um rim, se fosse preciso.
Para não chegarem a isto.
Para não estar aqui.
Para ela não ter de o matar.
Será que foi ela?
Sim, só pode ter sido ela.
Foi ela.
Maldita.
Vai pagá-las.
É só eu sair daqui.
Susteve a respiração.
O ar esgotava-se.
Mas tinha o telemóvel.
Abençoado telemóvel!
Conseguiu pô-lo sobre o peito.
Virou-o para si.
Tocou no ecrã.
A luz acendeu-se.
1 % de bateria? Talvez dê.
Marcou um…
Um…
Dois…
Apagou.