Pedido de Ajuda

de José Maria Covas

 

2 de fevereiro de 1812

Dia tão triste! Nesta cidade, as ruas estão repletas de castelos. Estes estão abertos a todos, exceto a mim. Apenas me é permitido andar na periferia, para alívio dos meus colegas e das suas famílias.

A minha casa é simples, quando comparada com os demais monumentos, mas ao mesmo tempo original. Pelo menos, as suas pedras não se conformam com uma arquitetura individual, uniformizada e fria, mas sim com a partilha de momentos únicos entre mim, os meus pais, e a natureza.

A capital, no entanto, não tem isso em conta quando faz a seleção de pessoas com valor. A elas é dado sustento, enquanto o resto estagna. Esquecida no tempo, vai-se a esperança, a pouco e pouco degradando.

 

2 de março de 1813

Hoje, mesmo ao nascer do Sol, a luz nos nossos corações está cada vez mais apagada. A falta de trabalho fez o meu pai perder a sua inocência, saindo de casa após nos enegrecer o corpo e a alma com os seus pensamentos envenenados, retornando ao entardecer para de novo nos mostrar o seu rosto de culpa.

Os efeitos da alienação, quase completada pelo resto da Humanidade, tinham tornado a minha mãe numa reclusa do próprio lar. Escondida por detrás da porta do quarto com paredes despidas de alegria, sem comer ou dormir, ansiava, de olhos fechados, pelo fim desta situação martirizante.

Eu, por outro lado, estou num permanente estado de reza; primeiro na cama, depois nos campos circundantes, atualmente no lago junto ao cemitério, procurando uma resposta para o contentamento me ter sido arrancado do peito e para, na mente, me ter sido inserido o medo da perseguição.

 

3 de março de 1813

Após uma longa espera, de dentro das águas profundas do lago, surgiu um milagre.

No início, ao ver a figura imponente a aproximar-se, com os seus inúmeros tentáculos a imitar pernas, pensei que a campa onde estava prostrada seria em breve a minha.

Não estava à espera que a criatura erguesse a mão e de ter os seus dedos pontiagudos a acariciarem-me a cabeça, como se finalmente tivesse encontrado a amiga há muito procurada. O seu toque, enquanto me transportava nos braços por uma cidade aos gritos, acalmou-me e fez-me dormir.

Ao acordar depois, na mesa do quintal, a primeira coisa que vi foi aquele ser de cabeça cefalópode com buracos incandescentes. Colava serpentinas feitas de intestinos nas paredes, enquanto dançava ao som da música que entoava para celebrar a surpresa.

Não consegui conter a emoção e abracei o meu anjo da guarda. Era graças a ele que poderia voltar a ser criança e brincar na casa dos meus sonhos, decorada com as caras dos meus pais, colegas e vizinhos, agora — e para sempre — sorridentes.

 

SOBRE O AUTOR

José Maria Covas

José Maria Covas, desde que nasceu a 26 de setembro de 1998, sempre tentou compreender a realidade em seu redor e contribuir para a sua evolução. Licenciou-se em Ciências Biomédicas na Universidade de Coventry e fez o mestrado de investigação em Medicina Regenerativa na Faculdade de Medicina e Veterinária da Universidade de Edimburgo. Os seus poemas, contos e guiões conjugam o mistério e o estranho da literatura e cinema com o ocultismo e surrealismo das suas viagens, criando, no processo, o seu próprio universo artístico, que eternamente explora a condição humana.