Peles, Máscaras e Chifres
de Helena Menezes
— De onde veio a tradição? — perguntou o jornalista ao ancião da aldeia.
Nada. Apenas o silêncio introspetivo da lenha a queimar e das brasas a estalar. No canto da sala, um jovem escovava dois fatos de peles que se animavam com as sombras das labaredas. No fogo aglutinador, refletido naqueles olhos de cem anos que ainda brilhavam, encontrava-se a memória do início de tudo.
— Vista as peles se quer saber. — Sem esperar resposta, fez sinal ao neto e acrescentou: — Consigo, seremos treze.
Indumentárias animalescas de peles, máscaras e chifres dançavam à volta do fogo que dava voz à fera e derretia a neve e o gelo — sonhos de fartura e virilidade para viver na primavera. No final da noite, com o fogo extinto, o jornalista contou. Eram doze. Um décimo terceiro fato estava caído por terra, sem ninguém dentro. Oco. Vazio.
Dali vinha a tradição.
SOBRE A AUTORA
Helena Menezes
Nasceu em Lisboa em 1981. Licenciou-se, tirou mestrado e trabalhou como bolseira de investigação, na área das Ciências da Paisagem, entre 2007 e 2013, na Universidade de Évora. Paralelamente à escrita científica, foi fazendo incursões na escrita criativa. Arjuna e o Espírito do Tigre (conto infantojuvenil, Ed. Primeiro Capítulo) foi o primeiro livro, publicado no final de 2022. Participou na coletânea 13 Autoras em Vénus (poesia erótica, Ed. Vieira da Silva) lançada em abril de 2023. Iniciou-se na escrita do terror, algo despoletado pela masterclass do Pedro Lucas Martins, visualizada recentemente na formação «Livro em Ação».