Pesagem
de Liliana Duarte Pereira
Em cada uma das divisões, tenho uma balança. Todas as semanas compro mais duas ou três, mas não há nenhuma que funcione.
Não importa a que horas me pese, estar nua ou vestida é indiferente. Os valores estão sempre errados. Acusadores, piscam a vermelho, alertando-me de que estou abaixo do peso recomendado, como se isso fosse possível.
Rejeito o meu reflexo, não há parte de mim que não seja em excesso. A gordura acumula-se em cada canto, e eu sou a única que não se recusa a vê-la.
Combato-a. Quero-me fora deste corpo.
Cumpro os mínimos. Bebo água e respiro. Passaria discreta, se não fosse a diabetes. Olho para o pé esquerdo, obeso e gangrenado. A infecção, gulosa, alastra-se pela perna. Sei que vou ter dificuldades em mover-me, mas nada que uma prótese não resolva. O importante é que os números na balança diminuam.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945
SOBRE A AUTORA
Liliana Duarte Pereira
Liliana Duarte Pereira, nascida a 30 de junho de 1986, é licenciada em Política Social através do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Sempre quis preparar os mortos para os seus funerais, mas não vingou. Tem fobia a pessoas falecidas e a portas entreabertas. Gosta de animais, de fazer doces, de rir de coisas mórbidas e de escrever.
Integrou as antologias Sangue Novo (2021), Rua Bruxedo (2022) e Sangue (2022).
Venceu o Prémio Adamastor de Ficção Fantástica em Conto (2022) com «O Manicómio das Mães», da antologia Sangue Novo.