Poliembrionia
de Goataçara
Escurece.
O meu terceiro olho diz-me isso.
A temperatura também caiu.
Sinto uma fome que não me deixa parar.
Só mais uma dentada!
E outra…
E outra…
Sinto o meu corpo esticar para lá dos limites.
E esta fome que me consume cresce a cada dia.
Como se a minha vida dependesse de comer.
Tenho dores em todo o corpo.
Dores de crescimento.
Este crescimento anormal, que faz de mim a maior das redondezas.
Só mais uma dentada, que o frio começa a prender-me os movimentos.
E outra…
E outra…
Dentro dela, tudo se agita.
Sente uma dor fina que a perfura, mas de forma inusitada, de dentro para fora.
Sente outra picada.
E vê uma pequena vespa pairar à sua volta.
De seguida, em catadupa, centenas de vespas eclodem do seu corpo deformado. Perfuram-lhe a quitina, os órgãos, sugam-lhe a vida. Voam à sua volta num frenesim.
Expira, em agonia, nessa fome insaciável. E, ainda assim, num movimento derradeiro, tenta dar uma última dentada.
SOBRE A AUTORA
Goataçara
Goataçara é uma leitora ávida, que só fez as pazes com o seu lado mais mórbido há poucos anos, antes fazia questão de o abafar para se normalizar. É entomóloga de profissão e tafófila de coração.