Predador

de Petra Fernandes

 

Lá está ele!

Espreita-me no escuro, pela porta do quarto. Tem vestido o breu adornado de um sorriso cínico, enquanto arrasta os pés descalços e disformes pelo soalho flutuante na minha direção. Vem num ritmo de suspense mórbido. A distância é curta, mas sinto-a uma eternidade, e ele olha-me com vontade; tem uma fome de alma que amedronta o estar vivo. Aproxima-se. O sorriso revela-se cada vez mais ameaçador, o seu tamanho aumenta com a escuridão e com o frio que traz consigo. Sobe pelos pés da cama, numa vagarosa articulação de membros, primeiro o joelho direito, depois o esquerdo, faz um gatinhar furtivo, braços apoiados em mãos esguias com dedos compridos e ossudos, terminados em unhas amareladas pelo tempo, de pontas afiadas que cravam o colchão, cotovelos apontando para o teto. A cabeça e o corpo baixam numa posição de ataque felina. Avança.

O meu corpo mantém-se estático, imóvel. Não consigo mover músculo que me sustente e me faça reagir ao perigo. Não tenho som, não funciono! Não há voz capaz de gritar ou pedir auxílio. Forço o movimento, sacudo a inquietação, gesticulo o medo e afronta que tenho dentro, mas não há resposta voluntária do corpo. Petrifiquei!

Sinto o gelo do corpo dele a percorrer o meu, o cheiro pútrido… Está em cima de mim!

O peso asfixia-me, esmaga a minha caixa torácica. Encosta a cabeça ao meu pescoço e cheira-me, numa inspiração longa e profunda, a terminar com um rouco «aaah» de satisfação, quando liberta o que absorveu. Sobe os lábios azulados da morte ao meu ouvido. Oiço a pele a rasgar o sorriso malicioso, a respiração ofegante, enquanto diz:

— Agora, tu!

SOBRE A AUTORA

Petra Fernandes

A espalhar magia desde 15 de janeiro de 88. Artista visual e tatuadora. A arte, seja qual for a sua forma, é o maior meio de comunicação humana, é o que fica depois de a carne desaparecer. Quando crio, sou.

Sensitiva e curiosa. Amante de filmes de terror e paranormal. A natureza é o meu combustível, e a escrita o meu refúgio e libertação. Tenho preferência por animais, as pessoas assustam-me! Sou mais instinto e sensação que razão.

E esta é mais uma forma de me dar a conhecer, com letras em vez de tintas.

Petra Fernandes | Possessão | 22X18 cm | acrílico e guache sobre papel

Ricardo Alfaia

1969 (Maternidade Alfredo da Costa, Lisboa) > Évora > Lisboa > Évora > Nuremberga > Ingolstadt > Weichering > Santa Cruz. Empregado de mesa > cozinheiro > condutor > barman > casamento > assistente de fotografia publicitária > filho > fotógrafo > gerente de restauração > designer gráfico > filho > filha > web designer > autor > cofundador da Fábrica do Terror. «O Homem planeia, e Deus ri.»