Quando o Cão Negro Adormecer
de Marta Nazaré
«Just like the curse, just like the stray
You feed it once, and now it stays
[…]
I’ll tear me open, make you gone
No longer will you hurt anyone
And the fear still shapes me
So hold me, until it sleeps.»
Metallica, Until It Sleeps
Contemplo mais uma vez os rochedos da morte. Espreito por entre estalagmites formadas pelo gotejar permanente das horas. Aguardo que o Cão Negro, à entrada da gruta, caia finalmente num sono profundo. Envenenada pela curiosidade de tesouros perdidos, resvalei para estas profundezas de onde não mais saí.
Vasculhei medos espelhados na água. Percorri rios de arrependimento na neblina cansada. Remexi pedras de corpos esquecidos. Nada encontrei para ludibriar o guardião do mundo inferior. O terror permanecia vigilante. A minha mortalidade continuava suspensa.
Agora que Cérbero dorme, reúno faíscas de coragem escondidas nos meus ossos. Avanço com a trémula centelha que ainda me dá vida, devagar, mas o seu bruxulear desperta o Demónio do Poço. Uma das três cabeças ergue-se. A cauda serpenteia um aviso. Regresso novamente ao meu túmulo. E espero.
SOBRE A AUTORA
Marta Nazaré
Nascida em 1981, formou-se em LLM-I/A e Tradução. Quando não está a escrever contos, traduz livros infantojuvenis e legenda filmes e séries.
Estreou-se como autora na antologia Sangue Novo.
Temos a certeza de que já foi monstro numa outra vida, mas daqueles fofinhos que decidem contrariar estereótipos e mostrar que estas criaturas (também) têm bom coração. É com ela que contamos para saber tudo sobre o terror infantojuvenil.