Remédio
de José Maria Covas
No consultório, o médico apresenta-me duas opções. Porém, apesar das garantias, não tenho nenhuma vontade de prosseguir com a escolha.
É-me reiterado o diagnóstico: tenho pouco tempo para viver.
Morrer pelo meu amor a fritos e doces seria de facto uma tragédia. Ainda tenho tanto para provar pelo mundo fora! E ambos os métodos prometem salvar-me o corpo de rebentar pelas costuras.
Um dos procedimentos médicos terá de ser. Mas qual? Tanto o tumor como a ténia parecem ser bons animais de estimação após o transplante, mas cada um tem as suas exigências. O tumor, talvez por ter sido criado a partir das células do meu estômago, nunca estará satisfeito, o que é bom para emagrecer mais depressa. No entanto, vou acabar depenado economicamente com os gastos, caso não queira ser devorado por dentro.
Em contraste, a ténia parece ser um parasita razoável. Além de me dar a oportunidade de comer sushi de vaca Wagyu massajada, a minhoca ingerida cresce à custa do meu excesso alimentar. Seria o tratamento perfeito para a minha condição. Só é pena, neste caso, o sistema imunitário não concordar comigo, pois o meu corpo é alérgico a partilhar recursos com um invasor a longo prazo. Porque é que o ser humano é tão complicado?
Felizmente, os imunossupressores resolvem a situação, apesar de me deixarem indefeso contra toda a espécie de doenças. Não importa. O que interessa é poder comer tudo o que queira no futuro, sem restrições ou conselhos chatos de uma dieta mais regrada. Talvez não tenha de escolher um dos procedimentos, assim. Talvez o melhor, para prevenir, seja optar pelos dois. A tempo inteiro ou em part-time.
SOBRE O AUTOR
José Maria Covas
José Maria Covas, desde que nasceu a 26 de setembro de 1998, sempre tentou compreender a realidade em seu redor e contribuir para a sua evolução. Licenciou-se em Ciências Biomédicas na Universidade de Coventry e fez o mestrado de investigação em Medicina Regenerativa na Faculdade de Medicina e Veterinária da Universidade de Edimburgo. Os seus poemas, contos e guiões conjugam o mistério e o estranho da literatura e cinema com o ocultismo e surrealismo das suas viagens, criando, no processo, o seu próprio universo artístico, que eternamente explora a condição humana.