Revelação
de José Maria Covas
Sim, Atanásio! Após tantos anos de esforço, conseguiste entrar na ordem. As tuas mais-valias enquanto jornalista foram reconhecidas ao colocares a nossa histórica vila em destaque nas rotas turísticas. És tão importante como o industrial, o monsenhor, o juiz ou o político.
A vitória sabe tão bem, após passar de mão em mão o cálice da cerimónia de iniciação. Tantos membros duvidaram de ti, Atanásio, e das tuas qualidades, chamando fraqueza à tua preocupação pela comunidade, apesar de a ordem ter sido criada precisamente para o efeito. Aliás, não ficaram as famílias de agricultores, pescadores e professores melhores com um indivíduo como tu a guiar o leme?
Para se notar uma melhoria no dia a dia, porém, a mudança tinha de ser profunda e repentina. Porquê esperar décadas para ser grão-mestre e poder assim dizimar as ervas daninhas que ameaçam o crescimento das árvores de fruto, quando a resposta está mesmo aqui? Bastou proferires umas palavras esquecidas pelo tempo, cortares umas rodelas da tua carne, triturando-as e misturando-as com o vinho do Porto, para que todos os membros da sociedade mudassem de ideais numa só noite!
Brindemos à expressão dos teus «irmãos», que julgam que a bebida lhes causou uma terrível indigestão. Nem percebem como os fragmentos do teu corpo estão a ser absorvidos, propagados pela corrente sanguínea e enraizados no tecido cerebral, de maneira que cada um entenda os desígnios da tua mente.
Faltam apenas ser convertidos certos elementos-chave da comunidade, que estarão presentes nos festejos de amanhã.
Ainda bem que sobraram algumas fatias.
SOBRE O AUTOR
José Maria Covas
José Maria Covas, desde que nasceu a 26 de setembro de 1998, sempre tentou compreender a realidade em seu redor e contribuir para a sua evolução. Licenciou-se em Ciências Biomédicas na Universidade de Coventry e fez o mestrado de investigação em Medicina Regenerativa na Faculdade de Medicina e Veterinária da Universidade de Edimburgo. Os seus poemas, contos e guiões conjugam o mistério e o estranho da literatura e cinema com o ocultismo e surrealismo das suas viagens, criando, no processo, o seu próprio universo artístico, que eternamente explora a condição humana.