Teoria da Relatividade

de Nuno Gonçalves

 

Tempo-distância.

Tempo-velocidade.

Mas terá alguém traçado o gráfico tempo-dor? Faço-o eu. Eu, que pareço subsistir na eternidade.

Faço-o com rigor, seguindo cautelosamente os passos do método científico. Posso até já apresentar algumas das minhas conclusões: um corte no dedo fará com que cada segundo seja sentido como um minuto; queimadura de segundo grau no rosto — trinta minutos; uma unha arrancada — duas horas. Prosseguindo no caminho das mutilações, nunca consegui ultrapassar as vinte e quatro horas. O gráfico aplana, estagna, num planalto de gritos inúteis.

Ponderei desistir, sabe? Até perceber que me estava a focar na dor física. Há um limite para a dor física. Compreendi depois que há outras vias por onde se pode explorar o sofrimento.

Foi por isso que a trouxe cá. Pela ciência, compreende? Foi por isso que a trouxe. A si e ao seu filho.


SOBRE O AUTOR

Nuno Gonçalves

Nuno Gonçalves devora livros há 30 anos. O prazer da leitura fez crescer a vontade de um dia ver as suas próprias palavras no papel, encadernadas, à espera de um leitor. O caminho escolhido foi outro, e a Medicina atraiu-o mais do que as Letras. Manteve a ligação à literatura, retomando os hábitos de leitura e dinamizando um blogue de crítica literária durante alguns anos. Depois de iniciar uma nova caminhada na escrita de ficção, venceu o prémio António de Macedo em 2022 e foi o finalista português do concurso de microcontos da EACWP em duas ocasiões (2022 e 2023).