Truque de Magia

de Bruno Pereira

 

Era o momento pelo qual Inês mais ansiava. Sentou-se na primeira fila. Uma nuvem de fumo fez com que o olhar de todos se fixasse no sítio onde o mágico, supostamente, ia surgir.

— Parabéns, Inês! — exclamou uma voz de forma entusiasta. — E olá a todos!

Os colegas da aniversariante começaram a gritar de forma histérica assim que o fumo se dissipou e um homem de fato preto e bigode pontiagudo apareceu no jardim. Apresentou-se fazendo uma vénia com a cartola.

— Sou eu! Vítor, o Mágico! Querem ver um truque de magia?

A resposta foi um estrondoso SIM. 

Inês, que comemorava o seu sétimo aniversário, levantou-se e dirigiu-se ao mágico para lhe segredar algo ao ouvido.

— Claro que podes ir à casa de banho! — O mágico sorriu. — Esperamos pela Inês, não esperamos amigos?

SIM!

O rosto da criança não disfarçou a vergonha.

Inês encaminhou-se então para a porta que ligava o jardim à cozinha, vendo que o palhaço, também contratado para a festa, usava a mesma porta para entrar em casa. Distraiu-se, no entanto, antes de lá chegar, ao ouvir o mágico a chamar a mãe dela, que seria a ajudante de Vítor no famoso truque em que uma pessoa era serrada ao meio. Quando olhou de novo, o palhaço tinha desaparecido.

A menina abriu a porta e percorreu a cozinha, tentando perceber para onde teria ido o palhaço, até ouvir o som de um balão a rebentar vindo do seu quarto. Dirigiu-se para lá e entrou, paralisando quando ouviu uma risada, percebendo, através do espelho do roupeiro, que o animador se encontrava atrás dela. A mão direita do homem arrastava um machado, enquanto a outra estava estendida a segurar a cabeça cortada do pai de Inês. As gotas de sangue escorriam, fazendo um barulho quase impercetível ao caírem no chão. As gargalhadas do palhaço continuaram.

— Gostaste deste truque, Inês? — O palhaço virou o rosto do pai para o seu. — Olá, papá, eu sou Bendito, o palhaço mais bonito. Então? Não dizes nada? Não vais estragar a festa da tua filha, pois não? Que desmancha-prazeres! — E saiu do quarto, a rir-se descontroladamente.

A aniversariante, atónita, aproximou-se em passos lentos da porta do quarto e espreitou lá para fora. No exterior, as gargalhadas de Bendito misturavam-se com os gritos das crianças. Inês correu até ao jardim e viu que os seus colegas tinham fugido.

— Está na hora do truque de magia, Inês — disse Vítor, o Mágico.— Estás preparada? É só para ti.

A rapariga acercou-se e encontrou a mãe presa nas caixas do truque.

— Foge, Inês! — gritou ela.

O mágico fez sinal com o dedo para que Inês chegasse mais perto. Inês, automaticamente, obedeceu. Assim que a menina se colocou a seu lado, o ilusionista entregou-lhe o machado. A criança sorriu. Era aquele o momento pelo qual Inês mais ansiava. A dupla de artistas afastou as caixas para que parte do tronco da mulher ficasse visível.

— Inês, por favor… — A expressão na face da mãe era uma mistura de pânico e incredibilidade.

Inês fez descer o machado. O golpe arrancou um vómito de sangue e um grito de dor que ecoou pela rua deserta, seguido de outros enquanto a rapariga tentava descolar o machado do corpo da mãe. A cada machadada desferida pela criança as forças da mulher iam desparecendo. A sua boca preencheu-se de sangue. A vida esgotou-se nos seus olhos.

O mágico e o palhaço deram ambos as mãos à menina e começaram a balançá-la de forma divertida.

— Gostaste do terceiro truque de magia, Inês?

— Sim!

Bendito mostrou-se bem-disposto.

— Agora, temos de te encontrar novos pais. Para o teu oitavo aniversário.

Inês sorriu.

— E para o quarto truque de magia.

 

SOBRE O AUTOR

Bruno Pereira

Bruno Pereira nasceu em 1983.

Autor dos livros de poesia Fragmentos, Ser Imperfeito, O Livro Oculto da Paixão e Outras Temáticas Post Liber e C.I.N.C.O., sendo coautor da obra Cruzamentos.
Fez uma abordagem à literatura fantástica com Eden – Reinado dos Céus e tem um conto, «Espectros», na coletânea de terror Sociedade das Sombras, lançada no Brasil.
Durante dez anos, coordenou um grupo de teatro infantojuvenil para o qual escrevia as peças. Foi também apresentador do programa 7 Pecados Culturais, na Universidade FM em Vila Real.

Durante a pandemia, lançou os contos «Quietos», que serão transformados em livro.

Trabalha no norte de Portugal numa casa da cultura, é amante de terror e adepto entusiasta da Fábrica do Terror.