Viagem
de José Maria Covas
Mais um mau dia para o capitão,
Cheio de expetativas,
Repleto de desilusões.
Tal era a sua sina,
E a do seu barco,
Enfrentar tempestades sem descanso.
Ao sair do camarote,
E ao descer às profundezas,
Começa novamente a sentir o cheiro.
Um odor a papel queimado,
A tinta seca,
E a palavras azedas.
Ao atravessar as secretárias aparentemente silenciosas,
Cheias de velas derretidas, chávenas vazias e penas de corvo partidas,
A fonte tenta ocultar-se no meio de pensamentos perfumados.
Engana-se, pois o seu rasto é inconfundível,
Para um indivíduo com vários anos de experiência
Em distinguir as boas marés das más.
À sua volta, todos se apressam, tentando terminar a última página,
As criaturas libertam-se da mente para a folha,
Começam a manifestar-se e a apagar as velas uma a uma.
Trabalhadores e criações acompanham-no,
Até chegarem à única luz na escuridão,
Presente na última mesa dos antros do navio.
A causa da desarmonia na legião de criatividade
Estava paralisada à frente dos seus escritos,
Estes mais parecendo uma página em branco.
Uma nuvem de caras pesarosas emanava da folha do desinspirado,
Que começara a tremer e a contorcer-se,
Ao sentir o mestre a aproximar-se.
Deixou cair a pena ao chão,
Ao virar-se para a comitiva de despedidas,
Ciente da baixa qualidade da sua arte.
Apesar de gemer por perdão e pedir mais uma oportunidade,
Foi arrastado pelos seus colegas para o convés,
A transbordar de chuva e trovões.
Sem cerimónias, foi atirado borda fora,
Com os seus gritos a ecoar no ar,
Atravessando as nuvens.
De repente, o temporal amainou em torno da nave voadora,
O Sol ensanguentado apareceu no horizonte,
E a tripulação suspirou de alívio.
Todos prontamente regressaram aos postos,
De maneira a usarem o sucedido como início de uma nova história,
Para não serem os próximos a terem o seu contrato terminado.
Apenas o capitão permaneceu, agarrado ao leme na proa,
Pronto para, na noite, se deixar guiar pelos ventos
Que os levariam a percorrer novas águas e terras.
Ansiava por conhecer mais criadores de mundos
E propor-lhes não só um emprego, mas uma aprendizagem,
Enriquecedora para ambas as partes…
SOBRE O AUTOR
José Maria Covas
José Maria Covas, desde que nasceu a 26 de setembro de 1998, sempre tentou compreender a realidade em seu redor e contribuir para a sua evolução. Licenciou-se em Ciências Biomédicas na Universidade de Coventry e fez o mestrado de investigação em Medicina Regenerativa na Faculdade de Medicina e Veterinária da Universidade de Edimburgo. Os seus poemas, contos e guiões conjugam o mistério e o estranho da literatura e cinema com o ocultismo e surrealismo das suas viagens, criando, no processo, o seu próprio universo artístico, que eternamente explora a condição humana.