«Medos da Aldeia», em «Histórias da Minha Aldeia», de António Almeida Serrano

Estórias da aldeia dos meus avós.

A magia do país vem das estórias das Gentes.

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Patrícia Sá

Recentemente, António Almeida Serrano, conterrâneo dos meus avós, imortalizou as memórias da aldeia beirã que os gerou e acolheu desde a mais tenra idade: a Aldeia de João Pires (epigrafada simplesmente de «Aldeia» neste livro).


São várias as estórias que formam o retrato de uma época e de um lugar. A escrita fluida, carregando os traços de oralidade desta região, cria uma espécie de oásis que convida o leitor a entrar e a viver, durante alguns momentos, a realidade de meados do século XX nesta aldeia portuguesa, um tempo aparentemente mais simples e, por vezes, cheio de magia.


A secção «Os Medos da Aldeia» inclui sete pequenos relatos de personagens imaginadas, mas que poderiam muito bem ter existido, que contactam com seres inexplicáveis. Fala-se nas bruxas e nos abobrinhos, seres que eram vistos por todos como maléficos, coisas que vinham de outro mundo e levavam quem os visse a rezar a todos os santos.

Fala-se também de fantasmas palpáveis, como a Fome e a Guerra Colonial. Estes, os medos mais assustadores.

As estórias são contadas com muita ternura, saudade, e, quando o tópico ordena, seriedade e pesar. Os medos sobrenaturais deixam-nos com um sorriso no rosto e a leve impressão de que, talvez, a magia perdure mesmo em tempos de desencanto.

Histórias da Minha Aldeia mistura memórias pessoais e ficção literária para eternizar um tempo e um espaço. «Medos da Aldeia» oferece o leve sabor de um momento na História do país em que as crenças, as superstições e o medo pintavam o imaginário e as perceções das Gentes (no livro, sempre maiusculizadas, o que as torna seres singulares, irrepetíveis). O narrador descreve os passos cuidadosos das personagens, «não vá o Diabo tecê-las», mesmo quando o susto provém de uma simples giesta, de mulheres pobres e de olhar triste, de noites de trovoada, de lacraus escondidos na vegetação, ou de burburinhos que levantavam canas de milho e que as Gentes julgavam serem «almas danadas».


Até à revelação da fonte do medo, as estórias criam espaço para a possibilidade do sobrenatural. Essa mera possibilidade tece um lençol de encanto sobre a narrativa, à maneira das lendas e de contos de fadas.


Em todos os cantos do país existem «Medos» que enriquecem o nosso pano cultural. Agradeço a António Almeida Serrano pelo cheirinho dos da sua Aldeia.

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Patrícia Sá

Patrícia Sá nasceu em 1999. Desde muito cedo que encontrou um refúgio na escrita e estreou-se como autora em 2021, com o conto «Amor», na antologia «Sangue Novo». Interessa-se especialmente pelo estudo da monstruosidade na literatura, nas artes e na cultura. Está determinada a provar que o terror é um género sólido. A arma dela? Resmas de livros teóricos sobre o assunto. Sublinhados. E com «post-its».

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